O PROMETIDO É DE VIDRO
Ando aqui às voltas com duas palavras,
dois verbos muito usados pelos portugueses. O primeiro mais pelos amantes
matreiros, que fazem das emoções um gelado em dia de verão. O segundo mais
pelos políticos portugueses. Que, como muito bem sabemos, leram e releram todas
as cartilhas dos atos de linguagem. Refiro-me aos verbos jurar e prometer. A minha
dificuldade, neste momento, consiste em não saber o significado destas duas
palavrinhas. Porque, se é fácil saber o que denota a palavra maçã, como saber o que denota o verbo jurar? A maçã é este fruto e já está.
Sabemos o que é, saboreamo-lo, e até o relacionamos com os índices de
colesterol. Quanto ao jurar, se jura de homem é riso de cão e se os mentirosos
são pródigos em juras, fico no arame, instável quanto à significação. Jurar
contém em si uma promessa? Mas que promessa, se toda a gente cruza os dedos no
ato de enunciação? O Paul Grice bem pede para não dizermos aquilo que pensamos ser
falso, mas quê, os nossos políticos só leem as alíneas que lhes interessam… E
sabem muito bem que a linguagem, para além de ser informativa, também serve um
intuito produtivo: produzir factos e realizar atos. Por isso eles elevam a ene
o verbo prometer. Porque, sendo prometer verbo performativo, não pode
ser submetido a regras de veracidade: enunciou-se, significou. E, ao assim
significar, imediatamente se põe ao serviço daquilo que Chomsky releva como as
grandes técnicas da manipulação. Nunca fiz a estatística, mas quase garanto a
primazia do prometer no universo
discursivo do português contemporâneo. Durão Barroso prometeu, pisgou-se,
voltou a prometer fazer frente aos interesses particulares dos Estados-membros
na presidência da Comissão Europeia, voltou a pisgar-se. António José Seguro foi
mais longe e garantiu, com toda a sua convicção, “aquilo que prometo, cumpro”.
Não teve tempo de não cumprir. E as promessas do nosso amigo Sócrates? É
verdade, prometeu fazer na cultura o que se fez na ciência. E fez? E o nosso
amigo Passos? O Diário de Notícias
registou, num dia qualquer, uma atitude extraordinária do nosso primeiro: “Passos
recusa prometer baixa do IRS em 2015”. Porque Passos já nem se dá ao trabalho
de se recusar baixar, ele vai mais longe no seu ato vertical de linguagem: ele
recusa prometer! Porque, ao fazê-lo, mostrava pelo menos a esperança de
conseguir algo. Ou obrigava-se a fazer alguma coisa. E o nosso primeiro não
quer dar esperança, nem quer sentir-se obrigado. É melhor assim, que lá diz o
povo, quem muito promete, nada dá. Nem a lua, nem mundos e fundos, nem pensões,
nem vencimentos, nem o raio que os parta a todos. Razão tem o Rui Veloso: o
prometido é de vidro!...
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