quinta-feira, junho 11

O PROMETIDO É DE VIDRO


Ando aqui às voltas com duas palavras, dois verbos muito usados pelos portugueses. O primeiro mais pelos amantes matreiros, que fazem das emoções um gelado em dia de verão. O segundo mais pelos políticos portugueses. Que, como muito bem sabemos, leram e releram todas as cartilhas dos atos de linguagem. Refiro-me aos verbos jurar e prometer. A minha dificuldade, neste momento, consiste em não saber o significado destas duas palavrinhas. Porque, se é fácil saber o que denota a palavra maçã, como saber o que denota o verbo jurar? A maçã é este fruto e já está. Sabemos o que é, saboreamo-lo, e até o relacionamos com os índices de colesterol. Quanto ao jurar, se jura de homem é riso de cão e se os mentirosos são pródigos em juras, fico no arame, instável quanto à significação. Jurar contém em si uma promessa? Mas que promessa, se toda a gente cruza os dedos no ato de enunciação? O Paul Grice bem pede para não dizermos aquilo que pensamos ser falso, mas quê, os nossos políticos só leem as alíneas que lhes interessam… E sabem muito bem que a linguagem, para além de ser informativa, também serve um intuito produtivo: produzir factos e realizar atos. Por isso eles elevam a ene o verbo prometer. Porque, sendo prometer verbo performativo, não pode ser submetido a regras de veracidade: enunciou-se, significou. E, ao assim significar, imediatamente se põe ao serviço daquilo que Chomsky releva como as grandes técnicas da manipulação. Nunca fiz a estatística, mas quase garanto a primazia do prometer no universo discursivo do português contemporâneo. Durão Barroso prometeu, pisgou-se, voltou a prometer fazer frente aos interesses particulares dos Estados-membros na presidência da Comissão Europeia, voltou a pisgar-se. António José Seguro foi mais longe e garantiu, com toda a sua convicção, “aquilo que prometo, cumpro”. Não teve tempo de não cumprir. E as promessas do nosso amigo Sócrates? É verdade, prometeu fazer na cultura o que se fez na ciência. E fez? E o nosso amigo Passos? O Diário de Notícias registou, num dia qualquer, uma atitude extraordinária do nosso primeiro: “Passos recusa prometer baixa do IRS em 2015”. Porque Passos já nem se dá ao trabalho de se recusar baixar, ele vai mais longe no seu ato vertical de linguagem: ele recusa prometer! Porque, ao fazê-lo, mostrava pelo menos a esperança de conseguir algo. Ou obrigava-se a fazer alguma coisa. E o nosso primeiro não quer dar esperança, nem quer sentir-se obrigado. É melhor assim, que lá diz o povo, quem muito promete, nada dá. Nem a lua, nem mundos e fundos, nem pensões, nem vencimentos, nem o raio que os parta a todos. Razão tem o Rui Veloso: o prometido é de vidro!...


Sem comentários: