segunda-feira, outubro 30


UM PONTINHO, NADA MAU...
No meio de tanta beleza, receber um simpático pontinho foi muito agradável, lá no Fórum de Numismática. Fica aqui o registo de uma moeda que até nem é muito fácil de encontrar, pelo menos com o carimbo de 60 reis, assim para o redondo e tudo.Relativamente à observação feita pelo Victor Almeida, não sei se os carimbos de 60 reis eram todos rectangulares. Os de 120, 100 e SO surgem sempre, ou quase sempre, ligeiramente arredondados, e não é a primeira vez que os vejo com este formato. No Aragão, o desenho é rectangular; no AG estão três imagens com carimbos diferentes, incluindo um igual a este.

O que sabemos é que entre 1580 e 1640 Portugal foi governado pelos Filipes espanhóis. Com a Restauração, em 1640, e com o esforço de guerra, o país necessitava de recuperar a credibilidade económica. D. João IV publicou vários decretos para evitar a fuga de valores, ouro, prata e outros metais, e para reajustar o valor da própria moeda. Por alvará de 1 e 3 de Fevereiro de 1642, e dado que não era possível fundir e cunhar toda a moeda de prata que circulava no reino, determinou-se contramarcar várias moedas com os desenhos de 120, 100, 60 e S0. A marca de 60 reis foi aposta no meio tostão de D. Manuel I, D. João III, D. Sebastião, Governadores do reino e Filipes. Por conveniência, foi também aposto no real de Espanha.


domingo, outubro 29

Estou como o Eugénio, o de Castro...

Três da manhã. Desperto incerto... E essa quermesse?
E a Flor que sonho? e o sonho? Ah! tudo isso esmorece!
No meu quarto uma luz luz com lumes amenos,
Chora o vento lá fora, à flor dos flóreos fenos...

sexta-feira, outubro 27

CAMPO DA VINHA, TÚNEL E ALGUNS PERIGOS

Hoje estacionei no parque subterrâneo do Campo da Vinha. Quando quis sair, na direcção da Avenida da Liberdade, fiquei encravado. Em primeiro lugar, dentro do próprio parque, durante uns largos minutos. Em seguida, no túnel que finaliza em frente ao Theatro Circo. Demorei cerca de 15 minutos a fazer um percurso de cem metros. Verifiquei, na saída do túnel, que estavam a fazer algumas obras na via, mesmo em frente ao Theatro. Claro, se as obras são necessárias, que sejam feitas. Mas, fiquei a pensar: e se houvesse um acidente, ou no parque, ou no túnel? Que soluções estão estudadas para essa sempre possível hipótese? Fiquei com a sensação de que, se houvesse um acidente assim para o grave, ficaríamos lá todos. Será que ficaremos lá todos se houver mesmo um acidente grave naqueles dois lugares? Nem quero pensar nisso! Mas pela aragem…

quinta-feira, outubro 26

THEATRO CIRCO

O Theatro Circo, em Braga, reabre amanhã, com um concerto certamente memorável da Orquestra Sinfónica Nacional Checa. Ninguém se lembrou de mim, rien de convites. Mas ( há sempre um porém...) eu já sabia e lá requisitei dois bilhetes via correio electrónico. Quando já desesperava, recebo um telefonema a confirmar a reserva. Sim senhor, a coisa funciona! Parabens à malta. O espectáculo vai valer a pena.
O CASÓRIO DA CULPA

A culpa é uma menina assim para o prendado, cheia de perfumes e de trejeitos, capaz de fulminar os figurões que a tenteiam. Habituei-me a vê-la, nestas terras lusitanas, de salto alto e sorriso descarado. Quando de um célebre apito dourado, ela andou por aí, toda impante, até se falou que iria casar com um, dois, ou mesmo uma caterva de lindos figurões. Fogo de vista. Soube ontem, pela voz de Jorge Coelho, antigo ministro das Obras Públicas, que a culpa morreu solteira no caso da queda do Ponte de Entre-os-Rios. Coitadita! Uma pena que não tenha experimentado as delícias do casório...

quarta-feira, outubro 25

ESTOU FARTO DE BANCOS!
Venho da Caixa Geral de Depósitos, e venho furioso. Tento perceber porque me cobram 5,5 euros, e mais 2,5, e mais 7,5, e mais... explicam-me tudo bem explicadinho. Uma quantia é a comissão X. 2,5 é a comissão Y. 7,5 é a comissão Z. Ah, e também paguei não sei quanto pelos cartões de crédito. E outro tanto por guarda de títulos que já não tenho. Concluo que vivo para a CGD, que trabalho diariamente para a CGD e que os serviços que me prestam são cada vez piores. E decidi: a partir de hoje vou tentar viver sem bancos. Vou fechar todas as contas, anular os cartões de crédito. Isto é, vou tentar fechá-las. Será que me deixam?

terça-feira, outubro 24

SEM COMENTÁRIOS II

Lucro do BES (Banco Espírito Santo) cresce 46,5 % até Setembro.

Diário Económico de 24.10.2006

segunda-feira, outubro 23

SEM COMENTÁRIOS I

Finanças perdoam IRS e IRC ao sector bancário.

Público de 23.10.2006

domingo, outubro 22

Ícaro, Papa e Inteligência Artificial

O mito de Ícaro é nosso velho conhecido e serve bastas vezes para refrear a ambição desmedida: quem se aproxima demasiado do sol com asas de cera é evidente que vai cair. Por isso, sejamos sensatos nas nossas ambições.
O papa Bento XVI acaba de usar a força deste mito aplicando-a ao comportamento do ser humano actual. Os avanços em Inteligência Artificial possuem um potencial transformador de tal modo profundo que devemos parar um momento para analisar as consequências éticas deles resultantes. Usar embriões humanos na própria medicina é, por exemplo, um dos aspectos a considerar, pois põe em causa a nossa própria condição humana. Podemos criticar a Igreja pelo seu posicionamento em vários temas, mas acho pertinente o uso que o Papa faz do mito: a ciência, frágil e sem fundamentação ética bem alicerçada, vai chocar frontalmente com o Sol. Isto se, entretanto, a cera não se derreter pelo caminho...

sábado, outubro 21

E ACREDITEM QUE

como dizia o poeta, muito

... mais do que isto
É Jesus Cristo,
Que não sabia nada de finanças,
Nem consta que tivesse biblioteca ...
A CULPA É DOS CONSUMIDORES!
Um membro do governo, talvez o mais inteligente de todos, perante a notícia de que a electricidade iria aumentar 15,7 %, ergueu o dedo doutoral e disse: a culpa é dos consumidores!
O Zé consumidor pestanejou, gaguejou até, sob a imponência daquele dedo doutoral e pensou: caramba, a culpa é mesmo minha, o senhor doutor tem razão. Acho que vou começar a pagar 16 por cento a mais em todas as compras que fizer, assim nunca me dirão que a culpa é minha.
O Zé português deprime-se e agoniza perante tanta inteligência. E mais deprimido fica quando o ministro vem, de repente, dizer que, afinal, a culpa não é do Zé, e que o aumento já só será de 6%. Ufa, que alívio... só 6%!... Ainda bem que temos este ministro, pensa, regurgitando três soluços de profundo alívio!

sexta-feira, outubro 20


1/2 VINTÉM D. JOÃO II

O vendedor, francês, pôs uma imagem muito pequenina. Por baixo, escreveu: denier portugais, ou, em vernáculo nosso, dinheiro português. Eu vejo mal, os meus óculos cá vão ajudando, mas vi imediatamente que não era um dinheiro, esses eu conheço-os bem. Analisei-o com atenção e concluí que era ½ vintém, em prata, de D. João II. Estas moedas muito pequenas não aparecem com facilidade, pus-me, portanto, à coca. Licitei-a e ganhei-a por um preço bem razoável, dado o seu valor numismático e histórico. Para alguns poderá ser uma moeda banal. Para mim, é uma moeda valiosa que vou acondicionar carinhosamente na minha colecção.
EU E OS MEUS CEITIS

Bom dia!
Pois cá me levantei a custo, mas já está! Vou dar uma vista de olhos aos meus ceitis, antes de ir para o trabalhinho. O Luís Nóbrega ontem deu a ajuda do costume a classificar alguns, o moço é um artista. E já lá vão 324 classificados, é obra! Este trabalho do Luís, exposto na sua página ceitis é um contributo valiosíssimo para a numária portuguesa. E com tudo isto ganhámos um verdadeiro especialista desta área. O Luís é o orgulho do Fórum de Numismática, jovem, inteligente e simples.

quinta-feira, outubro 19


FELIZ ANIVERSÁRIO

A BIRTHDAY
Christina Rossetti

My heart is like a singing bird
Whose nest is in a water'd shoot;
My heart is like an apple-tree
Whose boughs are bent with thick-set fruit;
My heart is like a rainbow shell
That paddles in a halcyon sea;
My heart is gladder than all these,
Because my love is come to me.
Raise me a daïs of silk and down;
Hang it with vair and purple dyes;
Carve it in doves and pomegranates,
And peacocks with a hundred eyes;
Work it in gold and silver grapes,
In leaves and silver fleurs-de-lys;
Because the birthday of my life
Is come, my love is come to me.
Le chador invisible de la femme congolaise

Numa entrevista esclarecedora sobre a situação da mulher na República Democrática do Congo, diz Christine KAMBA MUKUNDI jurista e defensora dos direitos da mulher:

Qu'est ce qu'une femme ? C'est un être qui ressemble à un homme mais qui réfléchit toujours comme un enfant. Toute femme a quatorze ans, dit-on. Un être égal à l'homme ? Jamais ! On l'aime parce que comme un arbre, elle peut donner des fruits, c'est-à-dire des enfants. Et comme un arbre, sous son ombre, on peut se reposer, elle peut vous procurer du plaisir.

Voilà la conversation que j'ai eue un jour avec un homme à la clôture d'une conférence. Et à partir de ce jour, j'ai compris que les femmes, non seulement en RDCongo, mon pays, mais dans beaucoup de pays du tiers monde, étaient enchaînées. Enchaînées par les coutumes, enchaînées par les hommes, enchaînées même par leur propre peur de se libérer, d'oser.


Leio esta entrevista, penso nas mulheres do meu país, na sua progressiva emancipação, e tento imaginar a sua função em sociedades com culturas e mentalidades tão marcadamente patriarcais. Tento imaginar, não sei é se consigo chegar lá…

quarta-feira, outubro 18

Paris Hilton Ana Malhoa Nua Vídeo de Daniella Cicarelli e outras quejandas coisas

De vez em quando, há uns tremeliques na net, as estatísticas escoiceiam as mentes mais ousadas que, na ânsia de visitações, lá vão tecendo loas à coitada da Aninhas ou à ousada e marítima Cicarelli. Por aqui, o truque poderia ser o Eça de Queirós, muito badalado nas aulas portuguesaicas. Mas, porém e todavia, talvez não fosse tanto assim. Porque isto de procurar Os Maias não tem, reconheçamos, a importância visual e emotiva de ver as poses da Paris Hilton, ou os tiques da buereré Malhoa em pleno sobressalto. Escolhas. Compreensíveis, aliás.
SEM TÍTULO

Às vezes acordo bem disposto. Ultimamente, porém, nem por isso. O tempo está chuvoso, o céu escuro, o vento assobia nas janelas. O Porto ganhou, mas, para chatear, o Benfica perdeu. A política incomoda, as greves começam a apertar, o governo segue, rompante, impávido e sereno. Ontem foi o anúncio do aumento brutal da electricidade. Hoje leio que o IRS para os deficientes vai aumentar. É isso, minha gente, toca a bordoar! Aguardo uma notícia boa há muitos, muitos anos. Nada que se veja ou sinta. Os portugueses já eram cinzentos, começam a ser cinza.

terça-feira, outubro 17


EUGÉNIO DE ANDRADE

É urgente o amor.
É urgente um barco no mar.
É urgente destruir certas palavras,
ódio, solidão e crueldade,
alguns lamentos,
muitas espadas.

É urgente inventar alegria,
multiplicar os beijos, as searas,
é urgente descobrir rosas e rios
e manhãs claras.

Cai o silêncio nos ombros
e a luz impura, até doer.
É urgente o amor,
é urgente permanecer.
César recusa aplicar taxas de internamento

O presidente do Governo Autónomo dos Açores recusa aplicar taxas de internamento. O argumento é simples e linear:"Eu não posso dizer a um utente pobre que necessite de internamento: ' O senhor não tem dinheiro e ficará em sua casa e morrerá”. Carlos César é um homem sensível. E faz bem ao recusar-se. O direito a cuidados de saúde básicos é um direito inalienável, e nenhum governo deveria pô-lo em causa. Ao instituir o princípio “ se não tens dinheiro morres”, este governo prova que despreza os pobres e os infortunados e isso é socialmente inaceitável.
Electricidade aumenta 15,7 por cento para maioria dos consumidores

Estamos entregues à bicharada. Os salários estão congelados há séculos. A inflação deglute a todo o momento quaisquer economias. A água sobe e com ela a taxa do lixo. A gasolina sobe, mas quase nunca baixa. Os medicamentos sobem e as comparticipações desaparecem. As taxas moderadoras sobem. Os internamentos sobem. Os direitos descem, ou antes, desaparecem. O povo português já só tem obrigações, não tem direitos. Agora a electricidade vai aumentar 15,7 por cento para quase todos os consumidores. Incrível, não é? E ninguém se importa. Ou antes: ELES importam-se, mas com ELES. Até um dia.

segunda-feira, outubro 16

CALAIM

Um amigo de apelido Calaim leu no Fórum de Numismática, pela primeira vez, parece, uma explicação sobre a palavra calaim, que nunca encontrou em textos ou dicionários. E não admira, pois nem o Dicionário da Academia a regista. Regista-a, no entanto, o Grande Dicionário da Língua Portuguesa, coordenado por José Pedro Machado, e o excelente Houaiss. Neste dicionário se diz que calaim tem origem árabe e é um provincianismo derivado de Qalah ou Qaleh, que é um lugar situado na costa de Malaca. Expõem-se, também, duas acepções. Na primeira, calaim é um metal, uma liga de estanho, chumbo e cobre, usada em Malaca e no arquipélago Malaio ( actual Malásia) e no Sião ( actual Tailândia). Na segunda acepção, calaim era uma antiga moeda portuguesa (séc. XVI) feita do metal atrás descrito. Também se faziam outros artefactos desse metal.
De calaim são feitos o malaquês de D. Manuel I, o bastardo de D. João III e de D. Sebastião, etc. No livro de Ferraro Vaz, Dinheiro Luso-Indiano, parece haver alguma confusão com tutanaga, que era uma liga esbranquiçada de cobre, zinco e níquel, com um pouco de ferro, prata ou arsénio.
CHI-CORAÇÃO OU XI-CORAÇÃO?

Em obras recentes, o neurobiólogo português António Damásio, expondo resultados da sua investigação na Universidade de Iowa, Estados Unidos, questiona a tese cartesiana do cogito ergo suum, a qual fundamenta a afirmação universal de que o ser humano é um ser racional. Com Damásio, a razão abre as suas portas à emoção de tal forma que, de repente, o paradigma civilizacional parece inverter-se: a emoção está na moda, a razão já foi.
Há dias, procurava eu nos dicionários a palavra xi-coração, usada em todos os cantos pelos falantes do português. Procurei-a, mas não a encontrei. Encontrei a forma chi-coração que, assumindo-se a função normalizadora dos dicionários, será a forma correcta. Das duas formas, prefiro a que leva um X. Já repararam que o X contém a sugestão do abraço apertado que, afinal, a palavra significa? Em CHI não sinto isso, parece-me uma forma insípida de representar a profundidade da emoção.
Num fórum em que participo, esclarecemos este aspecto. Racionalmente, deveremos escrever CHI-CORAÇÃO, pois assim o diz o dicionário. Mas qual quê? A emoção prevalece, e todos continuam a escrever XI-CORAÇÃO. Perante isto, que fará o dicionarista? Cada vez me inclino mais para as teses de Damásio.

domingo, outubro 15

Ao Longe os Barcos de Flores
Camilo Pessanha

Só, incessante, um som de flauta chora,
Viúva, grácil, na escuridão tranquila,
- Perdida voz que de entre as mais se exila,
- Festões de som dissimulando a hora.

Na orgia, ao longe, que em clarões cintila
E os lábios, branca, do carmim desflora...
Só, incessante, um som de flauta chora,
Viúva, grácil, na escuridão tranquila.

E a orquestra? E os beijos? Tudo a noite, fora,
Cauta, detém. Só modulada trila
A flauta flébil... Quem há-de remi-la?
Quem sabe a dor que sem razão deplora?

Só, incessante, um som de flauta chora...

sábado, outubro 14

O MITO DO ETERNO RETORNO

Gosto de antropologia, de conhecer as vivências dos nossos antepassados, de sentir a perfeição e a beleza com que mergulhavam no seu mundo. Quando me lembro da minha infância, não obstante todas as dificuldades por que passei, é nela que descubro aquilo que foi bonito e bom na minha vida. Creio que todos analisamos assim o mundo: a perfeição está no passado, não no presente e muito menos no porvir que desconhecemos. Por isso leio com um prazer único as obras de Mircea Eliade ou de Gaston Bachelard. Um porque me fala de mitos, e daquele que particularmente me fascina: o mito do eterno retorno. Outro porque me fala da essência do ser humano, da profundidade religiosa que nele em todas as circunstâncias se entranha. Falei hoje, ao meu filho mais novo, da minha infância, falei-lhe do pequeno rio da minha aldeia (todas as aldeias têm um pequeno rio…), dos campos, das flores, e dos pássaros. Disse-lhe que a minha infância tinha sido linda. E disse-lhe para viver com profundidade toda a sua juventude. Falei-lhe, naturalmente, de Eliade, até lhe disse que ele viveu em Portugal durante uns tempos. O rapaz achou a conversa interessante. Ainda bem. Um dia destes voltamos a conversar.
REPROVAR ALUNOS EXCELENTES?

Numa escola do distrito de Braga, foi retida, no sétimo ano, uma aluna que teve nível cinco em várias disciplinas. Motivo: excesso de faltas. Ao mesmo tempo, presume-se, fez-se transitar para o oitavo ano alunos que não cometeram este “crime”, mas que são assim para o fraquinho, conseguiram fugir do nível dois à custa de muitas cambalhotas.
Não sei qual a razão para o excesso de faltas. Existe uma lei que o penaliza, e a lei é para cumprir.
Também sei que, na estrutura actual, de responsabilização dos pais (então a ministra não quer pôr os pais a avaliar os professores?), deveria ser suficiente a justificação das faltas por si apresentadas. Nenhum pai quererá que o seu filho falte à escola, e se isso acontece é porque existem motivos ponderosos. Portanto: se o pai justifica as faltas, elas devem ser imediatamente justificadas pela escola.
Não se compreende, portanto, que falta de senso houve numa escola que reteve, no sétimo ano, uma aluna de alto nível.
O Ministério, como sempre, lava as suas mãos, e propõe que a aluna transite ao abrigo de uma lei feita para os sobredotados. É de gargalhar.
Tudo se resume, na minha opinião, a uma questão de poder. Imagino que o Conselho de Turma se limitou a cumprir a lei. Se o fez, fez mal. Imagino também que houve questões pessoais pelo meio, só pode ter sido. Porque isto de reprovar uma aluna de aproveitamento excelente não lembra nem ao diabo, seja quais forem as circunstâncias. Porque se a escola faz isto, para que serve a escola? É tudo uma questão de bom senso.

sexta-feira, outubro 13

LÍNGUA, QUALIDADE DA LÍNGUA E INTOLERÂNCIA

Há dias, numa das minha aulas com alunos estrangeiros do programa ERASMUS, uma afirmação de uma aluna ucraniana – com excelente formação linguística – alertou-me para um facto sobre o qual não tinha ainda reflectido muito profundamente. Dizia ela, no decurso de um debate sobre alguns registos de diversas línguas, que os portugueses falam muito mal e com péssima qualidade. Claro que não desaproveitei a oportunidade e, creio que para benefício de todos os alunos, dissertámos um pouco sobre o que significa falar mal e sobre o que significa o vocábulo qualidade, quando aplicado à língua com tão péssimo valor. Defendia ela singelamente que os nossos compatriotas com quem convive falam com muitos palavrões, com frases de sintaxe deficiente e com um vocabulário muito pobre, o que torna difícil, na sua perspectiva, uma conversação profícua sobre diversos temas. Gostaria de continuar neste lugar o debate então estabelecido, problematizando os conceitos de falar/escrever mal/bem e de qualidade da língua, bem como as múltiplas causas e consequências da interiorização de tais conceitos na praxis quotidiana, tendo como elementos balizadores a tolerância ou a intolerância face à boa ou à má qualidade da língua que diariamente usamos.
1. Código oral, código escrito, registos de língua
Convém iniciar esta exposição estabelecendo dois planos de análise necessários para a compreensão do tema em discussão. Por um lado, o plano da fala, da parole, no qual se inscrevem os diversos registos de língua que uma comunidade linguística concretiza; por outro, o plano da língua, da langue, no qual particularmente se releva o código escrito. Em ambos os casos, embora de formas eventualmente distintas, se problematizam conceitos como “norma”, “correcção”, “desvio”, entre outros não menos importantes.
No decurso de uma charla linguística, perguntava-se há tempos André Martinet se nos é permitido afirmar que uma língua é bela. Pensava ele, naturalmente, no francês, e posso eu transferir tal interrogação para o português. Posso eu dizer que a língua portuguesa é bela? Que factores intralinguísticos (também extralinguísticos?) me permitirão fundamentar tal afirmação? Num livro já relativamente antigo mas sempre actual (Estilística da Língua Portuguesa), lembra Rodrigues Lapa o escritor francês Valéry-Larbaud e as suas apreciações emotivas sobre áreas lexicais do português. Para este escritor, o vocábulo “menina”, por exemplo, “é um termo encantador, com um ar antigo, afidalgado” (p.15), o vocábulo “garota” “também é uma palavra bonita e própria para as raparigas do povo duma grande cidade” (p.14). As palavras têm, na sua opinião, portanto, um valor estético intrínseco que é naturalmente relevado por factores emotivos de diverso tipo. Pensemos no código oral e situemos a apreciação estética nos múltiplos registos de língua que se verificam no português. Pessoalmente, acho belo o falar do portuense da Ribeira, fundado em sintacticismos muito característicos, num léxico específico de um registo dito de baixo “nível” – o calão – e em aspectos fonéticos também eles específicos ( “ é a pronúncia do Norte, os tontos chamam-lhe torpe”). Belo é também o falar arrastado alentejano, o afrancesado micaelense, e quando exponho a minha apreciação estética não penso minimamente na “norma” (ou nas “normas”) da oralidade, em função da qual, ou das quais, eu poderia eventualmente estabelecer determinados juízos de valor. Não estou a confundir, de modo nenhum, os conceitos de “beleza” e de “correcção”, embora eles se interseccionem num qualquer ponto das suas actualizações. O portuense ribeirinho fala mal? Talvez. Mas que é bela a sua fala, lá isso é.Mas, afinal, o que significa falar bem ou mal uma língua? Se eu tiver uma boa dicção, mesmo situando-me num registo de nível inferior, falo bem? Se utilizar um léxico pouco usual, ou supostamente pertencente a um registo culto ou elevado, mas o fizer com uma dicção deficiente, ou com uma timbre de voz deselegante, falo bem? Se eu tiver uma dicção excelente, mas o meu discurso for completamente descoordenado, incoerente, logicamente inconsistente, falo bem? Falar bem tem a ver com efeitos retórico-estilísticos, poéticos, rítmicos? Ou falo bem se o fizer de acordo com uma norma (ou com normas) de oralidade, mesmo na hipótese de não dominar minimamente aspectos essenciais da retórica? Disse alguém (João Carreira Bom, Ciberdúvidas) que o acto de falar bem ou mal não depende exclusivamente de quem fala, mas em grande parte de quem ouve. E, se pensarmos na importância de uma boa escuta para a correcta descodificação das mensagens, facilmente concordaremos com a afirmação. Nesta assembleia estão com certeza pessoas com atitudes e posicionamentos físicos e psicológicos diferentes, a sua captação e compreensão das mensagens serão com certeza diferentes, a própria disposição física e psicológica do orador (do falante) pode ser influenciadora de uma melhor ou pior dicção, em suma, parecem interferir no acto de falar bem fenómenos demasiado complexos para reduzirmos o significado da expressão falar bem a algo de unívoco. O entendimento mais geral, parece encaminhar-nos, no entanto, para a ideia de que falamos bem quando falamos de acordo com uma norma aceite pela comunidade linguística. Falar de norma (ou normas) para a oralidade potencia a assunção purista, de cariz antropológico e histórico, e provoca ricochetes de natureza sociológica e, porque não, política. No caso português, continua a discussão sobre o dormitório da dita cuja: em Coimbra, dizem alguns, saudosos da influência da velha universidade; em Lisboa, dizem outros, ciosos da importância da capital. A afirmação purista relativa ao bem falar pode, nalguns casos, violentar pela palavra. Numa das explicações do sítio Ciberdúvidas ( sítio de valor inquestionável para um melhor conhecimento da língua portuguesa), e a propósito do plural da palavra acordo, dizia um dos explicadores, sem dúvida grande conhecedor da nossa língua: quem disser acórdos em vez de acôrdos é um ignorante! Não se duvida da importância da função reguladora, normalizadora, que instituições como as universidades (?), a televisão ou a rádio podem desempenhar, num universo de múltiplas e desconstrutoras influências linguísticas, mas a violência daquele “ignorante” pode ser demolidora, se em causa estiverem, por exemplo, pronúncias a que, como diz a canção, os tontos chamam torpes.
2. A qualidade da língua e a crise das línguas
Que parece haver uma crise generalizada das línguas é um facto. Como lembra Jacques Maurais (1985:1), expressões como “O martírio das línguas modernas”, “A hecatombe da ortografia”, “O inglês morrerá na América” ou “Estão a assassinar o português” exprimem preocupações sobre o estado e a qualidade das línguas neste virar de século. Num livro de 1985, justamente intitulado La crise des langues, podemos verificar como o problema, longe de ser apenas portugês, parece impor-se de forma inelutável em todas as línguas do mundo. É assim para o francês em França, no Quebec, na Suiça ou na Bélgica, para o inglês no Reino-Unido, nos Estados Unidos, em todos os países da Commonwealth, na Alemanha e na Noruega, na Dinamarca e nos países da América latina, no Brasil, enfim, em todo o espaço onde se fala uma língua. O radicalismo das afirmações, com pontuais suavizações, é geral, e dá conta de um “mal-estar” relativamente à forma como se fala ou se escreve cada língua, isto é, relativamente à qualidade actual de cada língua em análise.No caso do português, todos nos lembramos do grito inscrito na já célebre expressão “Estão a assassinar o português!”. Subjacente a este grito está a consciência de uma pretensa perda de qualidade da nossa língua, perda essa vísível, sugere-se, em aspectos fonéticos, morfossintácticos, gráficos e outros. Mas de que falamos, afinal, quando usamos um conceito como o de “qualidade da língua”, que supostos estão na sua base e que consequências decorrem dele? Teorizar o próprio conceito é já de si problemático, como lembra Culioli (1995:52), pois, sendo subjectivo, isto é, relevando parcialmente de uma ideologia da sociedade que forma a língua, não deixa de ser relativo, porque a qualidade linguística, conforme afirma Laporte (1995:204), só é avaliável em função de uma norma, ou de um modelo ideal. A perspectiva idealizante, que vê a língua como algo de acabado, de único, com o seu complexo de regras, parâmetros e princípios, surge hoje parcialmente representada nas hipóteses generativistas, cujos resultados taxativos potenciam uma asterisquização (palavra minha) em elevado grau, considerando agramatical tudo o que não é conforme às regras de geração de frases. A verdade é que a língua contém construções “erradas” que o utente aceita perfeitamente como correctas, sem as discutir. É o caso, por exemplo, das construções ilógicas
a) A maior parte dos estudantes entregaram o trabalho.
b) Vocês já fizeram os vossos deveres?
em que se evidenciam os “erros” de concordância entregaram/entregou e vossos/ seus. O segundo exemplo tipifica, aliás, um dos mais evidentes erros de lógica gramatical aceites como não-erro, de tal forma que a estrutura logicamente correcta tende a ser apreendida como incorrecta, sendo a incorrecta de uso generalizado no universo linguístico do português europeu. A verdade é que, como realça Rodrigues Lapa, “ a língua não acumula formas de dizer e de escrever só por amor à variedade. Essas variantes traduzem outros tantos matizes de sentimento e da ideia. (...) No dia em que atingíssemos o ideal (impossível) de uma língua perfeita, dissecada, sem excepções, teríamos matado a Arte. Ora, morrer por morrer, que morra antes a Gramática...” ( Lapa, 1975: 218).O conceito de “qualidade” implica, portanto, idealizações, normas, traz-nos à ideia as gramáticas normativas, prescritivas, aguça o discurso purista, sem dúvida elitista e conservador, e que se configura em geral como alarmista. “Qualidade” e “norma” justificam-se em critérios mais extrínsecos do que intrínsecos à própria língua. Por isso os linguistas tendem a pôr de lado – ou assumem radicalmente esse posicionamento – todas as considerações de ordem normativa, debruçando-se sobre a realidade dos factos linguísticos, deixando aos puristas guerreiros todas as considerações relativas à qualidade externa da língua, avaliável em julgamentos subjectivos de ordem estética ou, no limite, de ordem moral, passando pelos históricos, pelos etimológicos ou pelos analógicos, entre tantos outros.“Qualidade da língua”, “norma”, “correcto” e “incorrecto”, são, como se vê, conceitos interdependentes e altamente polémicos. Na sua Nova Gramática da Língua Portuguesa, Celso Cunha e Lindley Cintra (1984:5) afirmam que “uma gramática deve fundar-se num claro conceito de norma e de correcção idiomática”, o que é não parece fácil de estabelecer, e referem um conjunto de critérios de correcção, entre os quais se relevam o histórico-literário, o histórico natural e o racional. Se a norma pode ter variações diatópicas (Portugal-Brasil...), diastráticas (culta-média...) ou diafásicas (prosa-poesia...) numa mesma comunidade linguística, nada melhor do que reconhecer – aceitando um certo liberalismo gramatical – a importância do critério da aceitabilidade social, “o único válido em qualquer circunstância” (1984:8). Ora, é precisamente no âmbito geral destes critérios que se inscrevem discussões muito actuais relativas ao tema em análise, e que passamos a expor, em síntese:
Os dicionários actuais e a qualidade da língua. – Uma discussão fundamental sobre a função reguladora, normalizadora, dos dicionários parece necessária, num momento em que o Dicionário da Academia das Ciências de Lisboa, pela sua importância, pelo seu conteúdo, mas, principalmente, pelos critérios dicionarísticos adoptados, nos traz algumas perplexidades. A aceitação da função normalizadora dos dicionários nunca foi vista como absoluta, mas sempre se presumiu a sua força reguladora: eu escrevo esta palavra assim porque está assim dicionarizada ( facto que, por exemplo, nunca foi evidente relativamente à função reguladora das gramáticas que, pelo menos no universo das estruturas sintácticas da nossa língua, sempre se mostraram largamente deficitárias). Ora, o Novo Dicionário da Academia veio complexificar um pouco a questão, ao propor o aportuguesamento de palavras como stresse (fará norma?), ou ao incluir no seu corpo palavras estrangeiras como speed, ice-cream ou spleen, entre muitas outras, sugerindo deste modo a validade da sua utilização em contextos específicos, em detrimento do uso do equivalente português. Perde a língua portuguesa qualidade se usarmos estes estrangeirismos, validados pelo próprio Dicionário da Academia?Regista também este Dicionário palavras como hardware ou software, de aportuguesamento muito difícil. Na sociedade actual, fortemente movida por uma indústria informática e por factores económicos cuja base linguística é fundamentalmente o inglês, a proliferação de neologismos dificilmente traduzíveis é um facto inquestionável e sugere, numa perspectiva nacional, a necessidade de uma política linguística de conservação de uma certa “qualidade da língua”. O problema das terminologias (sentido de forma acurada no próprio universo linguístico-gramatical), o surgimento de novos termos técnicos, a imposição das linguagens internéticas e de sistemas de envio de mensagens (sms) com todo o seu complexo de simbologias, de reduções sintácticas e vocabulares, de simplificações gráficas, põem em evidência a necessidade de uma reflexão sobre as suas repercussões na forma como se fala e se escreve a nossa língua.
3. O Estado como guardião da língua?
Em França, uma lei de 30 de Setembro de 1986 confiou ao Conselho Superior do Audiovisual a missão de defender a língua e a cultura francesas na televisão e na imprensa. No Brasil, uma determinação recente, amplamente discutida e criticada, impõe coimas às pessoas ou às entidades que escrevam um português “incorrecto”, presumindo-se que a incidência persecutória se reflicta, pela própria valoração dos dicionários em detrimento de regras estruturantes raramente inscritas nas gramáticas, mais no universo lexical do que no universo sintáctico.Em Portugal, supõe-se a existência de códigos de escrita, ou de livros de estilo, que suportem a escrita jornalística, ou a boa dicção e organização discursiva dos locutores televisivos. A autoregulação linguística parece ser um princípio funcional, e o próprio prestígio do jornal ou do canal televisivo depende parcialmente da forma como apresenta as notícias, os textos opinativos, todos os textos em geral. Pessoalmente, sempre gostei do jornal desportivo “A Bola”, pela forma clara, simples e “correcta” como os textos são escritos. Ainda no âmbito desportivo, admiro a dicção escorreita e a fluência discursiva do jornalista Ribeiro Cristóvão, sem dúvida um exemplo a seguir até em aulas de técnicas de expressão oral.Se a autoregulação existe na televisão, na rádio ou nos jornais, não podemos esquecer todos os outros contextos em que o intrumento língua se revela fundamental para o bom funcionamento das instituições. Por exemplo, quem controla ( e será possível ou pertinente controlar?) o português usado na Administração Pública? Quantos de nós não se indignaram já com a leitura de circulares cheias de erros gráficos ou de sintaxe? Inclusive, quantos problemas poderá causar nas diversas instituições uma circular deficientemente escrita, ou com uma simples vírgula fora do devido lugar? A determinado nível de responsabilidade, ou de importância dos próprios textos, não seria pertinente a intervenção reguladora de uma entidade linguisticamente competente? Como releva Guillorel (327), deve o Estado lavar as mãos relativamente aos problemas linguísticos, ou deve intervir de maneira firme em defesa deste património extraordinário que é a língua portuguesa?Num tempo de revoluções néticas espantosas, não se vislumbra fácil qualquer solução neste domínio. Há cinco anos, por exemplo, o português ocupava cinco por cento dos sítios da Web. Hoje parece reduzir a sua participação a dois por cento. O problema, no entanto, continua a ser o da regulação do português escrito nesses sítios, na sua maioria com base na norma brasileira. Quem analisa o conteúdo dos sítios? Quem analisa a “correcção” da língua utilizada? Se a hospedagem dos sítios se efectua, na maioria das vezes, em servidores estrangeiros, como solucionar o problema?Parece-me evidente que a solução se encontra exactamente na base da pirâmide, e que o esforço deve ser todo feito nos locais de ensino e aprendizagem por excelência. Em primeiro lugar, no seio da família, que é o berço da oralidade. Se em nossa casa nos preocuparmos em falar bem, com boa dicção, com discursos coerentes, conduzindo as crianças aos diálogos saudáveis e à exposição clara das ideias, estaremos a concretizar uma propedêutica excelente, tendo em vista a atitude linguística e metalinguística subsequentes. Em segundo lugar, na escola. Parece-me também evidente que as aulas de português – mas não só! – deverão ser lugares excelentes, não só para uma pedagogia da literatura, sempre importante, mas para uma pedagogia da língua e, o que é mais importante ainda, para uma pedagogia da fala.Mais do que sermos guerreiros puristas, inflexíveis e intolerantes face à “incorrecção” ou ao “erro”, preocupemo-nos em incutir no espírito dos nossos jovens o prazer da leitura, da escrita criativa (mas também da instrumental), da reflexão e da expressão simples, clara e objectiva. Se assim o fizermos, talvez necessitemos menos destas palavras tão aflitivas, que são a palavra “erro”, ou a palavra “incorrecção”.
4. Bibliografia
Culioli, Antoine ( 1995), “Peut-on théoriser la notion de “qualité de la langue”? “, In La qualité de la langue? Le cas français. Honoré Champion: Paris.
Cunha, Celso, Cintra, Lindley ( 1984), Nova Gramática do Português Contemporâneo. Lisboa: Sá da Costa.
Guillorel, Hervé ( 1995), “La politique entre la purification et le laisser-aller linguistiques”. In La qualité de la langue? Le cas français. Honoré Champion: Paris.
Lapa, M. Rodrigues ( 1975), Estilística da Língua Portuguesa. Coimbra: Coimbra Editora, Ldª.
Laporte, M. Pierre-Etienne ( 1995), “Aspects historiques et politiques de la question de la qualité de la langue: le cas du français québécois”. In La qualité de la langue? Le cas français. Honoré Champion: Paris.
Maurais, Jacques ( 1985), La crise des langues. Gouvernment du Quebec, Conseil de la langue française. Paris.
* Cf. Comunicação ao IV Encontro de Língua Portuguesa, Guimarães, 2004.
PENSAMENTO NOCTURNO

O único lugar onde o sucesso vem antes do trabalho é no dicionário.
Esta é do Einstein, e eu acho que ele tinha razão. Agora vou dormir, que isto de ser bem sucedido cansa.

quinta-feira, outubro 12

SALGALHADA vs. SALGANHADA

Isto é uma grande salgalhada, uma confusão, ninguém se entende. O governo reforma, não reforma, se calhar ainda é reformado daqui a uns minutos, Portugal perde com a Polónia, que havia perdido com a Finlândia. Tudo às avessas. Um familiar diz-me que o convidaram para a Irlanda, 10 mil por mês, abri os olhos de espanto: hem? quanto? Me aguarrrrde que também vou… Isto por aqui é uma tristeza, não se ganha nem para tremoços. Impostos daqui, impostos dacoli, taxas moderadoras daqui, mais anos de trabalho dacolá. Não há pachorra para isto…
Ah… o meu amigo Avelino não gosta de salgalhadas, prefere salganhadas. Aqui o corrector ortográfico considera errada a forma salganhada. Eu também a consideraria, porque nunca a ouvi ou li. Consulto vários dicionários e nicles. Mas, voilà, há um actualizado.E qual é, qual é? Só podia ser o da Academia. Tem lá: salganhada, o mesmo que salgalhada. Pequena corruptela. Estás salvo, Avelino!

quarta-feira, outubro 11

MOEDAS, CERCEIO E COLARINHOS BRANCOS

Quem anda nestes meandros da numismática e se dedica à monarquia, sabe muito bem o que é o cerceio. Mas eu nunca tinha relacionado este termo com os colarinhos brancos, juro que não. Mas hoje, lendo a Nomenclatura Numismática do grande mestre José Leite de Vasconcelos, fiquei definitivamente convencido. Querem ler comigo? Ora vamos lá:

Diz-se cerceada a moeda que foi diminuída fraudulentamente no seu peso, por corte, limadura, raspagem, etc., para se lhe extrair metal. O cerceo ou cerceio pratica-se sobretudo nas moedas de ouro e prata. Contra os cerceadores cominam as Ordenações Afonsinas, liv. V, tit. 82, a pena de açoute, seguida de dois anos de degredo, exceptuando-se as pessoas privilegiadas, em que a pena se atenuava em multa e um ano só de degredo.
Que tal? Estão a ver a coisa? O miserável leva açoite e dois anos. O privilegiado livrava-se do açoite e reduzia o degredo a um ano. E isto estava em lei! Eu não digo que os privilegiados tinham, têm e continuarão a ter vantagens? Pois... se são eles que fazem as leis... Até quando, Catilina?...
CASCOS DE ROLHA

Vergo-me perante a minha ignorância. Eu bem procuro em livros, em dicionários, em enciclopédias... Obtenho o significado, mas não a origem. Estar, viver, ir a cascos de rolha significa estar em, viver em ou ir a um lugar longínquo. Creio que nenhum português desconhecerá a expressão e o que ela significa. Como terá, porém, nascido? Aquilino Ribeiro, com a sua linguagem bem regional, já a usa n' Os Malhadinhas. Qual a relação entre os cascos e a rolha? Imaginem que até já andei no Corominas, vendo a palavra casco, em espanhol. Vou continuar a investigar, um dia descubro. Se alguém souber a explicação, agradeço, agradecemos todos.

terça-feira, outubro 10

FÓRUM DE NUMISMÁTICA

Neste exacto momento, estou entusiasmado com os meus amigos do Fórum. A ideia é a de criar uma Revista dedicada aos diversos assuntos que vamos discutindo. A ideia foi lançada, nota-se receptividade e entusiasmo, acho que, com calma e tempo, vamos construir algo de que nos vamos orgulhar. Vou dando notícias.
MAMAS AND PAPAS

Mamas & Papas é o nome de um grupo musical. Esperavam o quê? Sexo? Aqui não há sexo, nor sex, ni le mot sexy o tampoco tetas. Escusam de procurar porque não há. Este é um blogue sério! Leiam poemas se faz favor...
JOACHIM DU BELLAY
Poeta francês (1522-1560)

Si notre vie est moins qu’une journée
En l’éternel, si l’an qui fait le tour
Chasse nos jours sans espoir de retour,
Si périssable est toute chose née,

Que songes-tu, mon âme emprisonnée ?
Pourquoi te plaît l’obscur de notre jour,
Si pour voler en un plus clair séjour,
Tu as au dos l’aile bien empanée ?

Là, est le bien que tout esprit désire,
Là, le repos où tout le monde aspire,
Là, est l’amour, là, le plaisir encore.

Là, ô mon âme au plus haut ciel guidée !
Tu y pourras reconnaître l’Idée
De la beauté, qu’en ce monde j’adore.

segunda-feira, outubro 9

Dinheiro de D. Pedro I
O P de Pedro referenciado com o traço é inequívoco. Este dinheiro é de D. Pedro I.
LEGENDA: P REX PORTVGL: AG2001 - 01.01
Cruz cantonada por duas estrelas e dois crescentes.
Cruz e legendas dentro de círculos granulados.
A numária de D. Pedro I


Este rei Dom Pedro nom mudou moeda por cobiça de temperal gaanho, mas lavrousse em esse tempo mui nobre moeda de ouro e prata sem outra mestura, a saber, dobras de boom ouro fino (…). A outra moeda meuda eram dinheiros alfonsiis, da liga e valor que fezera elRei Dom Affonso seu padre…

Fernão Lopes, Crónica de D.Pedro.


Lemos Fernão Lopes e ficamos um pouco admirados. Por onde andam estas moedas de ouro atribuídas a D. Pedro? Pelos vistos, o cronista enganou-se, e foi mesmo D. Dinis quem primeiramente as lavrou. De resto, D. Pedro deve ter cunhado muito pouca moeda, porque até os pequeninos dinheiros são raríssimos (embora haja alguma confusão com dinheiros similares de D. Dinis, tudo por causa de um P e de um D).
A propósito deste P e deste D, tenho andado a estudar, muito calmamente, os dinheiros dos dois monarcas. E lhes garanto que diferença certa, certa, é mesmo a que existe entre estas duas letras. O problema é que, na maior parte dos casos, elas são tão parecidas que não é possível distinguí-las.
Relativamente aos dinheiros de D. Pedro, por tudo o que analisei até este momento, concluo que:
A) Todas as legendas do anverso se situam entre dois círculos granulados.
B) Todas as legendas do reverso são cortadas pelos escudetes, estruturados em cruz, e inscrevem-se entre dois círculos granulados.
C) No que respeita ao tipo do anverso, há uma cruz equilateral no centro, cantonada por dois crescentes e duas estrelas, embora haja uma ou outra excepção de quatro estrelas, ou de uma estrela e três crescentes.
D) Os escudetes do anverso são postos em cruz, com cinco besantes em forma de aspa (><).
E) As legendas que ladeiam os escudestes são diversas, e obedecem à seguinte ordem:
AL GA RB II
GA RB II AL
Excepcionalmente, é possível outra ordem.
F – As legendas do anverso são variadas:
1. P. REX PORTVGL
2. P: REX P.ORTGL
3. P. REX PORTVGL.
4. Outras possibilidades.

O módulo varia entre 18,5mm – 15,5mm
O peso varia entre 0,69g – 0,37g

Gostava de aprofundar este tema e de registar as participações aqui no metakrítico.


O colarinho branco ( ainda)

Isto de usar colarinho branco e ter sangue azul dá cá uma vantagem... Leio que, quando D. Afonso III se lembrou de criar um imposto sobre o povo e de cunhar dinheiros novos com valor diferente dos dinheiros anteriores, o povo reagiu, vociferou, e o rei lá foi obrigado a reunir as cortes. O rei reunir, reuniu, mas o eco da sua gargalhada troou pelos confins do Douro até às escarpas de Peniche: pelo Instrumentum super facto monete, de 1281, o povinho dobrou a cerviz, aceitando mais uma derrama sobre os seus bens ( de repente lembrei-me do nosso Mesquitinha). Mas diz lá, preto no branco: o povo paga, mas o alto clero e a alta nobreza está isenta! É o que eu digo: sangue azul e colarinho branco, pintem-no!comprem-no! O mundo é composto de mudança, mas só para nós...
El Mundo, España y el Fútbol

Em Portugal, a crença na tríade continua: Fátima, Fado e Futebol, com declinação fadista. Dantes ouvia Amália, Farinha e Marceneiro; agora nem a Marisa. Não sei porquê, mas o fado já não é o que era, nem o hóquei, nem as touradas. Novos valores se alevantam, como dizia o poeta. De Fátima temos a dose do costume. Que nos valha o futebol! Vocês já imaginaram o que seria deste país sem o futebol, sem o apito dourado, sem os valentins e sem os valentões? Somos uns queixinhas, é o que é. Os clubes não valem um chavo, mas temos a selecção, que nos tem dado tantas alegrias. Aqui ao lado, nuestros hermanos, todos impantes com clubes campeões ( ele é a Real e o Barcelona, ele é o Valência e até o Sevilha). Caramba: o Sevilha é neste momento a melhor equipa do mundo! Mas a selecção, meu Deus, a selecção… Pois é: os espanhóis não ganham uma e, comparados com Portugal, ficam na poeira. Porque o Ronaldo e o Ronaldinho não são espanhóis. Porque o Deco não é espanhol. Dói ler a forma como nuestros hermanos carpem as suas mágoas futebolísticas. Os periódicos esquecem as notícias e falam do Aragonês. Leiam o El Mundo e condoam-se. E cantemos de galo!
Crimes de colarinho branco ficam de fora da prisão preventiva
Diários de Notícias

Estou absolutamente de acordo. Era só o que faltava mandarem para a pildra os varões de sangue azul e gola engomada... As grades foram feitas para a ralé, para os famintos que andam por aí a roubar feitos calões... O Dom Hortênsio da Fonseca e Bettencourt de Meneses não pode, sob nenhum pretexto, cheirar o bafio da pocilga. Faz-lhe mal à pele, faz-lhe desmaiar o azul do sangue aristocrático. Bato palmas à decisão do ministro!
De metakrítica a metakrítico!

Por razões de ordem técnica, o meu blogue metakrítika tem continuidade no blogue metakrítico. Todos os textos publicados até aqui estão fixados em METAKRÍTICA, na ligação que fica no cimo à esquerda desta página. Com tempo, vou tentar transferi-los para este novo blogue que, espero, será acedido de forma correcta por todos os interessados.