domingo, fevereiro 25

SÊ PACIENTE

Sê paciente;
espera que a palavra amadureça
e se desprenda como um fruto
ao passar o vento que a mereça.

Eugénio de Andrade

sábado, fevereiro 24

O LINGUISTA E A FIXAÇÃO DA NORMA

Diz Ivo Castro:

Não é o escritor, mas o gramático normativo quem fixa a norma; o escritor é o pretexto.

Se a norma fosse fixada por linguistas, e não por gramáticos, seria certamente mais respeitadora dos fenómenos de variação e dos actos de fala reais e verificáveis.

(...)

Contava Celso Cunha que Augusto Abelaira, incerto quanto a uma construção sintáctica infelizmente não identificada, pegou na Gramática do Português Contemporâneo para verificar se ela estava atestada; estava, mas atestada por uma citação do próprio Abelaira, que me confirmou a anedota.

Pois é, neste jogo do empurra, cá nos vamos entendendo...

Se quer aprofundar o tema, leia o texto completo AQUI.

quinta-feira, fevereiro 22

DICIONÁRIO DE GENTÍLICOS E TOPÓNIMOS

O ILTEC, Instituto de Linguística Teórica e Computacional, tem disponível o MORDEBE (Base de Dados Morfológica do Português) e um DICIONÁRIO DE GENTÍLICOS E TOPÓNIMOS. Segundo o portal, "os habitantes de Portugal chamam-se portugueses, a música do Brasil é brasileira. Mas como designar os objectos e as pessoas de Macau, do Rio de Janeiro ou da Lituânia? Quando designamos o país, a região, a província, a localidade em que alguém nasceu ou de onde alguém ou alguma coisa procede estamos a utilizar um gentílico.

Existem várias formas possíveis para criar gentílicos, as mais comuns são as formadas por sufixos como -ês (em português), -ense (em macaense) e -ano (americano).

A formação dos gentílicos nem sempre consiste na junção de um prefixo à base do topónimo, este é um processo mais complexo, por exemplo, o gentílico de Castelo Branco é albicastrense e não *castelo-branquês, *castelo-branquense ou *castelo-brancano.

O Portal da Língua Portuguesa disponibiliza uma lista onde poderá consultar os diversos topónimos e respectivos gentílicos ordenados alfabeticamente, a pesquisa pode ser feita clicando:

na letra inicial do gentílico;
no nome do país;
no nome de distrito (para Portugal) e estado (para Brasil);
no nome do local (país, território)."
É um portal inovador, a ter nos favoritos.
SENTADOS NO CHÃO

De acordo com a imprensa de hoje, os 106 alunos da escola básica de Sernancelhe que foi demolida na segunda-feira retomaram hoje as aulas, após as férias de Carnaval, na Casa da Criança desta vila do Norte do distrito de Viseu, mas tiveram de se sentar no chão, devido à falta de equipamento escolar.
Comentários para quê?

terça-feira, fevereiro 20

ADAMASTOR: O BELO E O HORRENDO

Adamastor é gigante mitológico, feio e apaixonado, desprezado pela nereide Thétis. Segundo o mito, percorreu terras e mares na busca da compreensão. Conhecedor profundo da mitologia grega e latina, Camões pegou no gigante e pô-lo no mar. Quando li, pela primeira vez, o episódio do gigante, chocou-me o contraste estabelecido entre a forma, horrenda, e a expressão emotiva do gigante, profunda e bela.

A descrição inicial é de um horrendo sublime:

Não acabava, quando ua figura
Se nos mostra no ar, robusta e válida,
De disforme e grandíssima estatura;
O rosto carregado, a barba esquálida,
Os olhos encovados, e a postura
Medonha e má e a cor terrena e pálida;
Cheios de terra e crespos os cabelos,
A boca negra, os dentes amarelos.

A exposição emocional do gigante – um choro medonho - é, também ela, de uma beleza inigualável.

Já néscio, já da guerra desistindo,
Uma noite, de Dóris prometida,
Me aparece de longe o gesto lindo
Da branca Tétis, única, despida.
Como doudo corri de longe, abrindo
Os braços para aquela que era vida
Deste corpo, e começo os olhos belos
A lhe beijar, as faces e os cabelos.
Assim contava; e, c'um medonho choro,
Súbito d'ante nossos olhos se apartou.

Foi este contraste entre o horrendo e o belo, um exterior, outro interior, mas pertença do mesmo ser, que me levou a devorar Os Lusíadas e a relê-lo sempre com acrescido entusiasmo.

Camões é um enormíssimo poeta. Leiam-no, por favor!

segunda-feira, fevereiro 19

GISANDRA

Procura-se a palavra, o seu significado. Em Finisterra, de Carlos de Oliveira, é planta de seiva leitosa, purificadora. Se a ideia existe e a palavra não, inventa-se a palavra. Releio cinquenta e uma vezes esta obra-prima e fico na paisagem. Talvez em breve a sinta preencher com seres imaginados, os aranhiços, as areias enormes, os bois em movimento. O povoamento. Talvez eu sinta a transfiguração final e compreenda a mensagem. Ansiosamente aguardo. Entretanto, ofereço aos leitores a ligação. Francesa, mas muito interessante. Aproveitem a lekti-ecriture.

domingo, fevereiro 18

O AL BERTO

Gosto do Al Berto. O Al Berto conheceu um homem que possuía uma cabeça de vidro. Ah, para quem não saiba, o Al Berto é um poeta que pergunta se a palavra laranja existirá sem a laranja. Com ele o sol cospe flores que provocam o sono e o esquecimento. Quando o leio, vou com ele ver as pirâmides fantásticas do vento. Por isso vou com ele muitas vezes, olhando as pétalas de luz que nos percorrem as mãos. Descubram o Al Berto, que a sua luz ilumina.

sábado, fevereiro 17

HORRíVEL

A ex-mulher de Eminem diz que ele é uma pessoa horrível, segundo o Globo Online. Este adjectivo é realmente muito forte, não conheço pior para definir uma pessoa. Claro que a relação dos famosos é feita destas coisas, raramente há equilíbrios, o companheiro ou é maravilhoso ou é horrível. Pois é: quem se mete com o belo, também se arrisca a meter-se com o monstro. O problema é que belo e monstro nadam em dinheiro. E quanto a isso, rien à faire.

sexta-feira, fevereiro 16


SABEDORIA

Desde que tudo me cansa,
Comecei eu a viver.
Comecei a viver sem esperança...
E venha a morte quando Deus quiser.

Dantes, ou muito ou pouco,
Sempre esperara:
Às vezes, tanto, que o meu sonho louco
Voava das estrelas à mais rara;
Outras, tão pouco,
Que ninguém mais com tal se conformara.
Hoje, é que nada espero.
Para quê, esperar?
Sei que já nada é meu senão se o não tiver;
Se quero, é só enquanto apenas quero;
Só de longe, e secreto, é que inda posso amar. . .
E venha a morte quando Deus quiser.

Mas, com isto, que têm as estrelas?
Continuam brilhando, altas e belas.

José Régio

quinta-feira, fevereiro 15

AS DEMASIAS

Francisco Manuel de Melo, Carta de Guia de Casados

De todas as grandes personalidades da literatura portuguesa, D. Francisco Manuel de Melo é, para mim, a mais extraordinária. Quando li, pela primeira vez, a Carta de Guia de Casados, fiquei absolutamente deslumbrado com a visão que o escritor tinha da mulher portuguesa. Claro que lida à distância de tantos anos, com a transformação cultural entretanto acontecida, a Carta nos força o sorriso. Mas que nos informa acerca do relacionamento marital da época, inflexivelmente patriarcal, isso é uma evidência. Leiamo-lo:

Dizia um nosso cortesão, havia três castas de casamento no mundo: casamento de Deus, casamento do diabo, casamento de morte. De Deus, o do mancebo com a moça. Do diabo, o da velha com o mancebo. Da morte, o da moça com o velho.


Ele certo tinha razão porque os casados moços podem viver com alegria; as velhas casadas com moços vivem em perpétua discórdia; os velhos casados com moças apressam a morte, ora pelas desconfianças, ora pelas demasias.

Visto à lupa dos dias de hoje, com tantos tratamentos e publicidade à disfunção eréctil ou ao Viagra, o casamento do diabo ou da morte transformaram-se no casamento de Deus. Abençoadas demasias que nos alegram os dias e nos rejuvenescem as noites de lua cheia. Quanto às desconfianças, desconfio que já não sejam o que eram. E ainda bem. Porque, velho rabugento encanecido, quem te manda ser feliz aos olhos da juventude fria?

quarta-feira, fevereiro 14

O CUNHA

O senhor Cunha tem o gabinete à cunha por causa das cunhas. Coitado do homem! Denominaram-no assim, que há-de fazer? Coitado dele e coitadas das palavras, que não têm culpa nenhuma das nevralgias humanas. Pensando bem: se meto uma cunha para firmar dois objectos, que abjectos cunham os que, de havano em riste, fumegam no gabinete à cunha? Quem souber responder que responda.

segunda-feira, fevereiro 12

O ASSALTO À VIDA PRIVADA
Hoje fui à Caixa Geral de Depósitos tratar de uns assuntos. Para mal dos meus pecados, sou lá cliente… Para completar “um” assunto, eu achava que era suficiente o bilhete de identidade, o número de contribuinte, a morada e, vá lá, o número de telefone. Tudo isso eles já lá tinham, portanto, nada a entregar. Mas que não! E que não! E deram-me então uma grande ficha, com perguntas totais sobre a minha vida, e da minha mulher, e se tinha carros, e se tinha casas, e há quantos anos trabalho e, imagine-se a imbecilidade, até lá perguntam o estado civil da minha própria mulher! Espumei. Nego-me a dar-me ao desbarato, ninguém tem o direito de saber pormenores de vida que só a mim dizem respeito. E disse que não. E não é que não me deixam tratar do tal assunto? Aiiii…. Apetece-me ferrar os dedos e ir às fuças a alguém. Na semana passada passou-se algo semelhante na escola do meu mais novo. Também me apresentaram uma ficha para preencher, queriam muitos dados, só não me lembro se queriam, ou não, a cor das minhas cuecas. Mas por que carga de água quer a escola do meu filho saber se tenho carro, ou se a casa é minha, ou…? Este assalto violento à nossa vida privada é absolutamente aterrador e inaceitável. Nos dois casos, neguei-me a dar as informações pedidas. Não tenho que as dar e pronto! Mas a lei permite este comportamento dos bancos e das escolas? Que seja do meu conhecimento, o aluno concretiza a sua matrícula numa escola e escreve no BOLETIM as informações legais que o Ministério da Educação acha por bem exigir. Tudo o que ultrapasse tais informações é absolutamente abusivo. O mesmo com os bancos. Irra que é demais!!!!

sábado, fevereiro 10

TRES COSAS HAY EN LA VIDA...

Li há tempos Thoughts in a Dry Season, de G. Brenan. Enquanto lia, lembrei-me daquela famosa canção, creio que espanhola, que diz tres cosas hay en la vida, salud, diñero y amor… Por acaso, uma canção muito bonita, pois transmite uma mensagem positiva a todo o ser humano. E dei por mim a pensar: o que é realmente importante na vida? O amor, claro, é muito importante. Mas há pessoas que vivem solitárias, algumas por opção, e não o consideram assim tão necessário. O dinheiro, claro, também é muito importante. Mas há tanta gente no mundo sem dinheiro… A saúde, evidentemente, é muito importante. Mas, podemos comprar a saúde? Diz Brenan que os que põem o amor em primeiro lugar o fazem porque têm a barriga cheia. Se tivessem a barriga vazia todos os dias, escolheriam o dinheiro. Se a saúde e o dinheiro são privilégios de ricos, que lugar ocupará o amor? Será, dos ricos, o supino privilégio? Que acham?

quarta-feira, fevereiro 7

UM PASSEIO NO MONEYMUSEUM

Pois lá vou passeando pelos museus virtuais, a lavar-me de ouro, e ouro bem português... No Catálogo de Moedas do MoneyMuseum vi lá estas duas meninas, o morabitino de D. Sancho I (1185, presumivelmente cunhado em Braga), na posse do Deutsche Bundesbank;

e este solidus, uma imitação de Theodosius II (império visigótico, ano de 456), também presumivelmente cunhada em Braga, e na posse da Sunflower Foundation.



Fiquei ceguinho para quinze dias. Acho que só vou poder apreciá-las de novo daqui a um mês, depois de esfregar os olhos com pozinhos de alecrim... Mas já que eu não posso, ceguem também!
SAPATILHA

Numa página concorrente, alguém pergunta sobre a origem da palavra sapatilha. Porque hoje, em tempos de muito exercício físico, todos os atletas usam sapatilhas, umas mais frágeis e flexíveis, outras com mais substância elástica, próprias para os basquetebóis. Ora, a sapatilha mais não é do que a sapata a que acresce o sufixo –ilha. Sapata devém, logicamente, de sapato, e, para além de outros significados que o uso consagrou, significa calçado largo e grosseiro, sem tacão ou de tacão raso, uma espécie de chinela. Já o sapato tem, em geral, sola de couro ou de borracha e é o objecto que cobre o pé. Originariamente, a sapatilha era muito leve e flexível, por vezes de biqueira reforçada ( os bailarinos precisavam disso); hoje, há por aí sapatilhas que pesam quilos . De modo que em vez de sapatilhas parecem sapatões. Ah, convém dizer que sapata vem do turco zapata. E pronto, eis aqui um bom motivo para escancararmos as portas aos nossos amigos otomanos: se nos deram a zapata, porque não a sapatada?

segunda-feira, fevereiro 5

SPLEEN

Je suis comme le roi d'un pays pluvieux
Riche, mais impuissant, jeune et pourtant très-vieux,
Qui, de ses précepteurs méprisant les courbettes,
S'ennuie avec ses chiens comme avec d'autres bêtes.
Rien ne peut l'égayer, ni gibier, ni faucon,
Ni son peuple mourant en face du balcon.
Du bouffon favori la grotesque ballade
Ne distrait plus le front de ce cruel malade;
Son lit fleurdelisé se transforme en tombeau,
Et les dames d'atour, pour qui tout prince est beau,
Ne savent plus trouver d'impudique toilette
Pour tirer un souris de ce jeune squelette.
Le savant qui lui fait de l'or n'a jamais pu
De son être extirper l'élément corrompu,
Et dans ces bains de sang qui des Romains nous viennent,
Et dont sur leurs vieux jours les puissants se souviennent,
Il n'a su réchauffer ce cadavre hébété
Où coule au lieu de sang l'eau verte du Léthé.

Charles Baudelaire