terça-feira, dezembro 29

CUOR SENZA SANGUE

Há dias assim, melancólicos, tristes, com chuva e vento no coração. Salva-nos Emma Shapplin, a sua voz espantosa baloiçando em nós com os silvos lá fora. Cuor senza Sangue, Ira di Dio, La Notte Etterna, tudo canções maravilhosas que nos trazem chuva aos olhos. Oiço-a e deixo-me embalar. Quase adormeço.
Esta palavrinha amor...

Gosto da palavra amor. Não sei porquê, quer dizer, sei bem porquê, mas é uma daquelas palavras que não engana, vê-se, aspira-se, inspira-se, expira-se, e já está. E é anagramática, com ela até podemos ir a Roma… Vocês já fizerem contas à muralha de expressões em que cabe esta bendita palavrinha? Eu bem me lembro do amor cortês, do platónico e, pasme-se, até do socrático. Uns por amor ao próximo; outros, quiçá em resultado de disfunções oculares, por amor à primeira vista. É por essas e por outras, por estrabismos à Picasso, que uma velha desdentada é linda como os amores. Até pode sê-lo, se for tudo feito e refeito por amor de Deus. Porque a beleza, como diria o Confúcio cá do burgo, é a expressão máxima do bigode nas ventas. Ali ao lado vive uma bela com um feioso do caraças, eu bem me pergunto porquê, mas é a estética do pilim: por amor ao dinheiro, ela vai até Pequim… Nas flores e nas plantas é que o amor se esquenta: ele é o amor-agarradinho, o amor-das-onze-horas e até o amor-de-moça, plantinha herbácea com umas florzitas roxas, muito cheirosinha, enfim… E já nem falo dos amores-dos-homens nem dos amores-do-campo, esses malandrecos, culpadíssimos de alergias e afins em dias de fluidos fenos. E finalmente, porque tenho um amor-próprio assim meio amor-perfeito-bravo, fico-me pelo amor fati, essa coisa estóica de que se pisgava Nietzsche: curvo-me perante a vida, assumo o meu destino e sigo a luz que me conduz à gruta. Lá eu sei que tenho o amor doce e puro de um Menino.

sexta-feira, dezembro 25

POEMA DE NATAL

Era uma vez, lá na Judeia, um rei.
Feio bicho, de resto:
Uma cara de burro sem cabresto
E duas grandes tranças.
A gente olhava, reparava, e via
Que naquela figura não havia
Olhos de quem gosta de crianças.
E, na verdade, assim acontecia.
Porque um dia,
O malvado,
Só por ter o poder de quem é rei
Por não ter coração,
Sem mais nem menos,
Mandou matar quantos eram pequenos
Nas cidades e aldeias da Nação.
Mas,
Por acaso ou milagre, aconteceu
Que, num burrinho pela areia fora,
Fugiu
Daquelas mãos de sangue um pequenito
Que o vivo sol da vida acarinhou;
E bastou
Esse palmo de sonho
Para encher este mundo de alegria;
Para crescer, ser Deus;
E meter no inferno o tal das tranças,
Só porque ele não gostava de crianças.

in Miguel Torga - Poesia Completa, Lisboa, Pulicações Dom Quixote, 2000
JARRINHA

Há quem não goste, mas eu adoro dicionários. Alguns são lindos por fora, têm letras douradas e cheiros a papel antigo, mas é lá dentro que o fruto tem sabor. Lá dentro, nos verbetes, mais ou menos extensos, mas carregadinhos de significados. Há bocado, sem querer, encontrei a jarrinha, pequena jarra que tenho também ali no canto, com assinatura da Rosa Ramalho e tudo, oferta de lautíssimo aniversário. Nas folhas amareladas, no entanto, a beleza suplanta a da realidade. Enterneço-me, por exemplo, com a jarrinha-batatinha, planta volúvel, ou com a jarrinha-bico-de-passarinho, trepadeira nativa do Brasil. Tão bonito, não é? Quem inventou estes nomes só podia ser poeta, pois eles abrem-se em metáfora como a flor se abre em pétalas. Viro a página e eis uma jarrinha-de-franjas de mão dada com uma jarrinha-dos-campos. Mas da que eu gosto mais é da jarrinha-de-lábio-pintalgado. Reminiscências ou soluços encobertos? Alguém disse um dia que as palavras não são bonitas nem feias, são o que são e significam o que significam. Ao olhar para a jarrinha, porém, mergulho no desacordo. Que belas são estas palavras!

quarta-feira, dezembro 2

TROUXE-MOUXE

Afinei o ouvido. Ela disse trussa? Desconheço a palavra. Ou seria o francesismo trousse? Ora repete. E ela: trusse. Com alunos estrangeiros, problemas de identificação fonética são o abc da coisa, é preciso muita atenção. Espera: vamos aos significados. Diz-me uma coisa, estás a falar de uma peça de vestuário, algo como camisa, ou calças…? Que não. Porque trousse, em francês, significa uma espécie de calça, já muito antiga (já não há pagens que as vistam) e, talvez por isso, se a palavra trussa estiver dicionarizada, o seu significado rondará por aí. Mas não, nem trussa, nem trusse com sotaque, nem trusse (que raio significaria trusse?). De repente, uma iluminação: ahhhhh... trouxe… Sim, sim, disse ela muito rapidamente. Trouxe, trouxe, e carregava no xis. Pois, lá pensei que era o Pretérito Perfeito do trazer, e lá gastámos uns minutos na dinâmica do trazer-levar. Mas os movimentos eram errados. Ao fim de umas bem suadas reflexões linguísticas, concluímos todos, eu e os outros alunos, que era trouxe, sim senhor, mas na expressão trouxe-mouxe. Em português, podendo ser nome susceptível de plural, tal expressão é, em geral, de valência adverbial, e recebe prótese preposicional: a trouxe-mouxe. Na nossa língua, que eu saiba, não há trouxe nem há mouxe como designações de coisas. Eu sabia que a locução significava algo como “de modo desordenado”, mas não conhecia a sua origem. Agora já sei que tem origem em lenhadores (parece que espanhóis: a troche y moche) despreocupados com as questões ambientais, que cortavam as árvores à machadada, à esquerda e à direita, desordenadamente, sem pensarem um segundo na perpetuação da espécie. Mochar para mutilar. Trochar, de trozar, para fazer em destroços. E pronto, lá fui obrigado a aprender para voltar a ensinar. Isto de aprender tem que se lhe diga...

terça-feira, dezembro 1

ABDELLATIF LAÂBI

Um poema:

Mon double
une vieille connaissance
que je fréquente avec modération
C’est un sans-gêne
qui joue de ma timidité
et sait mettre à profit
mes distractions
Il est l’ombre
qui me suit ou me précède
en singeant ma démarche
Il s’immisce jusque dans mes rêves
et parle couramment
la langue de mes démons
Malgré notre grande intimité
il me reste étranger
Je ne le hais ni ne l’aime
car après tout
il est mon double
la preuve par défaut
de mon existence

quinta-feira, novembro 12

3º ENCONTRO DO FÓRUM DE NUMISMÁTICA


É linda, a medalha, não é? Com esta, são três as medalhas que possuo sobre os Encontros do Fórum de Numismática. Quase sem querer, acho que estou a começar uma nova colecção, pois estes encontros vão com certeza repetir-se no futuro, ou não fosse a malta "numismática" uma malta interessada e decidida. Que o digam os que estiveram neste fim-de-semana em Ermesinde, na Churrasqueira do Norte. Sob a batuta do Manuel Barreleiro e de toda uma excelente organização, lá estivemos, os malucos da numismática, conferenciando, conversando sobre numismas, ouvindo histórias e rindo, tudo acompanhado por boa comezaina e pinga de truz. Assim vale a pena! A vida é tão curtinha e tão desenxabida que, não fossem as moedinhas, não teria grande graça. Como andam dizendo por aí, é possível viver sem o Fórum de Numismática? Possível é. Mas, realmente, não seria a mesma coisa.

segunda-feira, novembro 2

2666

Comecei a ler este livro de Bolaño, é enorme, será que vou conseguir lê-lo todinho?Lembro-me do Ulisses, do Joyce. Aquilo custou, li-o mas mastiguei-o. Não tenho grande recordação dele. A ver vamos. No fim direi qualquer coisinha.

1º comentário - Vou na página 99, estou a gostar. Mas isto de ver Espinoza aos pontapés a um paquistanês tem que se lhe diga.

2º comentário - Até à página 151, duas agressões em momentos diferentes. Aos pontapés. E ambas a taxistas. Ainda faltam 850 páginas, haverá mais? Suspense...

comentário - Fala-se de Amalfitano. Cruzamento extraordinário de acontecimentos, informações históricas, reflexões minimalistas sobre a vida. Continuo a ler, mas começo a ficar cansado. Os caracteres são tão pequeninos...

4º comentário - Vou na parte de Óscar Fate e de Rosa Almafitano. E vou continuar, embora num ritmo mais lento. Acho que vou demorar mais tempo do que pensava a ler este enorme livro. E depois vou ter de pensar nele outra vez. Mas que o Bolaño teve uma coragem do caraças a escrevê-lo, lá isso teve. Mil páginas em letra miudinha é dose, e não pequena...

comentário - Ando às apalpadelas pela página 700. Anda por aqui um turbilhão de sentimentos, medos, angústias, ilusões, desilusões, este livro é um rio a transbordar... Ainda faltam trezentas e tal páginas, mas vou lê-lo até ao fim.

comentário - Ufff... Mas que grande maratona! Acabei, agora vou ter de pensar nele. Sinceramente, não gosto de livros tão extensos, cansam, estão fora de época. Quantos terão coragem de ler, mas ler mesmo, este livro? Daqui a uns tempos darei a minha opinião sobre ele.

quinta-feira, outubro 22

CAIM

Acabo de ler Caim, de José Saramago. Comprei-o ontem, li-o de rajada, é um livro curto e simples. Esteticamente, desiludiu-me, Saramago tem bem melhor. Deus, para o autor, não é grande coisa, vê-se. Mas, não sei porquê, há por ali muito cuspo, demasiada ironia, excesso de sátira, muita incompreensão do simbólico. Como o meu critério estético é o do gosto, eu digo que não gostei e pronto. Isso, porém, nada tem a ver com o exercício de liberdade que significou escrever este livro. Os crentes vão gostar? Penso que não. A Igreja vai gostar? Tenho a certeza de que não. Mas estes escritos movem as névoas dos nossos pensamentos, e isso é salutar. Eu continuo a acreditar no meu Deus, sempre magnânimo, sempre bom. Agora e para sempre.

sexta-feira, agosto 14

OS PATOS

Ofir é praia vestida de dunas altaneiras. Que queimam, como nos últimos dias. Depois do almoço, fujo sempre da canícula e aterro em Fão, junto a um rio Cavado de águas sempre azuis e limpas. Corre uma brisa agradável junto das barcaças, velhinhas como o tempo. Gaivotas em bando, pombos selvagens, alguns alfaiates de listas negras, um flamingo solitário e creio que duas garças reais voando em círculo perto de mim. Se fosse pintor, como dizia Brandão, pintava estes reflexos de voo em espumas leves, onduladas. Fecho os olhos e quase adormeço, enlevado pelas ondas. De repente, uns quáquás levam-me os olhos para a margem verde. Porque não tinha visto os patos? Lindo! Talvez uma centena, de rabinho a abanar e bico bem altivo. De repente, um movimento mais brusco, água em maior movimento: uma pata, franzina, diria mesmo magricela, enxota outros patos protegendo a sua prole. São sete os pequeninos, sempre aflitos atrás das asas da mãe. E fico aqui, embevecido, analisando a função protectora de uma pata na margem do rio. Nenhum pato se chega num raio de uns dois metros. Interessante. Porque não deixa os pequenos socializar-se? Neste entretanto, um quá mais alto se levanta e o grupo voa para meio do rio. Cem, duzentos metros? Que vai fazer a mãe? Ficará na margem. Olha… aí vai ela mais os sete, em alta velocidade, para o seio do grupo. Afinal, ela sabe socializar as crianças. E, curioso, já não enxota ninguém. Fico a pensar nos patos e em nós, que não somos patos, ou que somos patos, às vezes, quando outros patos fazem de nós patos. A natureza é linda!

segunda-feira, junho 29

À PINHA

Não, não há pinha nos pinheiros, pelo menos nos pinheiros mansos. Parece que alguém se entretém a cortá-las ainda em flor, de modo que… nem vê-las. Por acaso, sou maluco por pinhões, no Natal entretenho-me a descascá-los, gosto do sabor a queimado. Um dia destes, o Rui falou-me de outras pinhas, uma fruta tipo anona, que lhe deram no Brasil. Gostou, e aprendeu o nome da coisa. Nos lados mais marisqueiros, as pinhas podem ser de bivalves e congéneres, tipo mexilhão ou percebes. E como o Zé é um grande mexilhão, a pinha também pode ser de Zés, ou claramente de gente. Se os Zés se acarneiram em magotes, formam uma enormíssima pinha. E se estão no Campo-da-Vinha, este fica à pinha, com os Zés encavalitados uns nos outros. A maioria das vezes, os carneiritos têm areia a mais na moleira, e sofrem da pinha, ficam com ela completamente desregulada. No limite, quando isso acontece, podem até comer a pinha a alguém, enganá-lo, intencionalmente ou não. Conclusão: isto de pinhas é como diz a Aninhas: ou te tratas ou definhas.

De Metakritica

terça-feira, junho 16

ÉTICAS, ESTÉTICAS E HIPOCRISIAS

No parlamento espanhol “conversou-se” sobre os milhões pagos a Ronaldo. Os políticos têm destas coisas: tagarelam sobre éticas e estéticas, dos futebóis.... Mas acobardam-se quando lhes cheira a corrupção. Questão de primazias. Este ar de donzelas ofendidas é absolutamente ridículo. Se pagam tantos milhões ao Ronaldo é porque ele os merece. E que os goze muito bem, que a vida é curta e Paris é bela. Mas alguém se preocupa com os 500 milhões de dólares pagos por Abramovich por um simples iate de 167 metros de comprimento? E para quê, se ele já tem outros três iates que ocupam metade do oceano Atlântico? Tanta hipocrisia… Que cada um receba em função do que vale. Se ao Ronaldo pagam 93 milhões é porque pensam ganhar com ele pelo menos o dobro. Baratíssimo, portanto. Ah… pudera eu ganhar assim uns milhões…

terça-feira, maio 19

Diferem em muito o amor e o gozo daquilo que se possui.

SOFIA – Bem vejo que o amor e o desejo são uma mesma coisa na sua substância, e assim mesmo os seus contrários, mas o amor da coisa não possuída e o da possuída parecem (como dizem eles) bem diferentes.

FÍLON – Parecem, mas não são diversos. Na verdade o amor da coisa possuída não é o deleite, nem é o gozo da fruição do possuído, como estes dizem. O possuinte da coisa amada deleita-se e goza, mas o gozar e deleitar-se não é amor, porque não pode o amor, que é movimento ou princípio de movimento, ser uma mesma coisa com o gozo ou deleite, que são quietude, fim e término do movimento. Asseguro mesmo que têm progressos tão contrários, que o amor vai do amante para a coisa amada, mas o gozo deriva da coisa amada para o amante. Vejamos mormente que o gozo é do que se possui e o amor é sempre do que falta, e é sempre uma mesma coisa com o desejo.

SOFIA – Mas a coisa possuída é amada, e aquela já não falta.

FÍLON – Não falta a posse presente, mas falta a perseverança contínua dela no porvir, a qual deseja e ama aquele que possui de presente. E a posse presente é a que deleita; mas a vindoura é a que se deseja e se ama. De maneira que, tanto o amor da coisa possuída, como o da não possuída, é uma mesma coisa com o desejo. Contudo, é uma coisa diferente do deleite, assim como a dor e a tristeza é uma coisa diferente do ódio e do aborrecimento, porque a dor existe por causa da posse presente do mal presente, e o ódio é por não ter coisa no porvir.


Aviso: há alguns anos, o New Criticism relevava algumas importantes falácias, entre as quais se evidenciava a falácia biografista. Consiste tal falácia em relacionar, de modo simplista, o texto ou a obra com a vida do autor. Neste exacto momento, juro solenemente que não me chamo Leão Hebreu, que o diálogo entre Fílon e Sofia não saiu da minha cabecinha e que eu não sou nem o amante nem a coisa amada referidos no texto.

domingo, maio 17

A FLOR

Ouço de Zamphir a flauta profunda e lenta. Pelo meio, sons de chuva esbarram cinzentos na janela. O dia boceja frio, com apetites de cama novamente. E o pão com manteiga dos que dependem dele às onze da manhã? Levanto-me e saio. Atravesso o jardim com passo duplo, volteando as poças imensas de água. A rosca quente da manhã é exercício inelutável, induz-me sempre a ir em frente, quer pingue, quer faça sol. Volto pelo mesmo caminho, piso as mesmíssimas pegadas e de repente vejo: a flor. Treme de frio derreada sob as gotas intensas, mas projecta o seu olhar de encontro a mim. Uma flor num dia de chuva, orgulhosa e viva, sorrindo cândida para o mundo. Acho que já ganhei simbolicamente o dia: ver uma flor sorrindo para nós num dia frio e cinzento é extraordinário augúrio. Assim seja na minha vida, na vida de todos os leitores, agora e para sempre. Amen.

quarta-feira, maio 13

O AMOR E A VIDA


Eu sei que às vezes a vida é nossa inimiga. Nascemos com ela e por ela, crescemos e sonhamos sonhos impossíveis, e de repente vemos o sol no zénite da nossa adoração. São os olhos e a face, o sorriso dulcíssimo que nos inebria, o abraço e os corpos em irreprimível fusão. Dizemos: amo-te, amo a vida, fundimo-nos com toda a natureza e pensamos que a vida somos nós em contínua floração. A noite, porém, também é dia. E na noite trememos os segredos, sofremos as angústias, choramos as lágrimas que a luz do sol reprime. Se eu amo, porque a minha amada se nega? Se eu sorrio às flores, porque se esconde o sol e cai a neve, esfriando os mais quentes sentimentos? Quiséramos amar e ser amados assim, incondicionalmente, de coração aberto e sem truques, porque o amor não é trunfo que se jogue mas dor que nos entranha e faz sofrer. Olhamos às vezes o vazio do amor, o lugar dele agora não preenchido, recordamo-lo com a mão no peito e cerramos os olhos. Amar é sublime, ou na ausência, ou na noite, ou nas lágrimas impotentes e caladas.

domingo, maio 10

DIÁLOGOS DE AMOR

Há muitos anos, descobri uma obra maravilhosa de um português desconhecido, nascido em Lisboa em 1465 ( ou em 1490, segundo Reis Brasil), cujo nome atravessou todas as fronteiras. Trata-se dos Diálogos de Amor, de Leão Hebreu, um dos maiores pensadores que a Humanidade criou e que em Portugal, infelizmente, quase ninguém conhece. Comprei a obra, em dois volumes, e devorei-a em poucos dias, tão saboroso era o sumo de tão magnificente escrito. Apaixonei-me por Fílon e Sofia, e percorri com eles a profundidade espiritual do amor e do desejo.

Lembro-me de ter registado algumas afirmações que me obrigaram a pensar o que repito agora. A primeira é relativa à poesia, e releva que os poetas encerram muitos sentidos nas suas ficções. Lembro-me de ter lido, na altura, “o poeta é um fingidor”, de Fernando Pessoa, e de ter analisado este poema em cinquenta mil direcções. Foi uma fase muito interessante de descoberta teológica que recordo com alegria. A segunda diz respeito às figuras geométricas. Ler que "a mais formosa das figuras é a circular porque está toda em si e tem partes" conduziu-me à fascinação pelo sol e pela lua, pelas estrelas e pelos seios de mulher, tudo fogo, luz e claridade que me inebriaram por uns muito largos e profícuos tempos. A terceira, que me deixou mais pensativo do que o pensativo cigarro do grande Eça, foi a declaração de que “o que se ama, possui-se; e o que se deseja, falta-nos”.

Demorei alguns rios da minha vida a perceber esta profunda filosofia. Hoje, mais calmo e sorrindo das minhas eloquentes cãs, sei que me falta tudo o que desejo. Mas sei também que possuo em mim, que me é já absolutamente intrínseco, todos os que amo ou alguma vez amei, e que essa possessão é vida e sangue em mim, e que viverei com esse amor agora e para todo o sempre.

Se puderem, leiam Leão Hebreu.

quarta-feira, maio 6

ESCARAPÃO

A beleza das línguas consiste, muitas vezes, na descoberta de palavras e de significados que arejam certas situações ou contextos. Pessoalmente, ouço sempre com atenção o transmontano, o alentejano ou o algarvio. Já para não falar do brasileiro sertanejo ou do moçambicano nampulense. Aprendo sempre, porque as palavras são significante e significado, mas têm os seus referentes que, quase sempre, nos embarcam em viagens culturais.

Há minutos ouvi a palavra escarapão. Confesso que desconhecia tal palavra, nunca a ouvi cá pelo norte. Percebi que, usada em contexto irónico, significa pessoa arisca, não muito simpática. Fiquei a saber que é nome de uma cobra inofensiva, de barriga amarela e dorso escuro, e que é um provincianismo alentejano. Curiosamente, nem o Dicionário da Academia nem o Houaiss a têm em verbete. Consta, sim, no Grande Dicionário da Língua Portuguesa, coordenado por José Pedro Machado.

Porque o povo faz a língua, registo a brincadeira de uma avó, pelos vistos atenta às características da neta arisca. Dizia ela, na sua linguagem arrastada e lenta: “Tu és uma escarapoa”… Terá dito bem? Haverá feminino de escarapão? Se a avó o disse…

sexta-feira, maio 1

A VEZ DOS PORCOS

Eu já sabia: isto das doenças é cíclico. Se bem me lembro, a doença mais antiga teve origem no estupidosaurus, um réptil da família dos sáurios gigantes que habitavam nas montanhas do Gerês. Naquele tempo, até as lagartixas espirravam e as caracoletas choravam. Eu sei isto porque investiguei in loco as manchas negras de alguns rochedos da zona da Pedra Bela. Depois, ao longo do tempo, as gripes, principalmente essas, voaram de espécie em espécie, até chatearem os humanos. Como não podia deixar de ser, pelas Africas foram os macacos os culpados. Depois, consta que foram os texugos, fedorentos até à testa. Ultimamente, por causa de umas farmacêuticas que necessitam de encher o bandulho, foram, respectivamente, os crocodilos da Alsácia, os bisontes catalães, os dromedários da Islândia e, pasme-se, as vacas inglesas e as aves da Gronelândia. É verdade, que é feito das vacas de olhos retorcidos? Parece que, cheio o bandulho de quem engorda à custa do Zé, as vacas se portam melhor. Ah, e as avezinhas, essas coitadinhas, que levavam gripes no bico a todos os cantos do mundo? Ouvi dizer que o Fernão Capelo resolveu o assunto passando a voz por todos os continentes. Cheia a pança à custa do pilim do Zé, bye bye gripe aviática. Mas eu sempre disse à minha Joaquina que chegaria a vez dos porcos, que era impossível um animal tão porco não nos cuspir a gripe da praxe. E “prontos”, cá está ela. Valha-nos o Tamiflu, da Roche do costume. Aposto que a próxima gripe é a dos papagaios! Pelo sim, pelo não, já proibimos esta colorida e tagarelática ave cá no nosso condomínio...

quinta-feira, abril 30

ESTALECA

Que não tinha estaleca para o lugar, disse-lhe o treinador. Que não tinha estofo, cabedal, ânimo, energia, técnica, capacidade para cumprir a função, supõe-se. Porque a palavra nem vem no dicionário. E nem se percebe porquê, porque estaleca é palavra muito usada em todo o Portugal, no Brasil e em todos os países de língua oficial portuguesa. Eu sei porque o confirmei com diversos falantes. Mas pronto, o Dicionário da Academia também não a acha relevante, nada a fazer. Mas o Houaiss sim, esse tem-na, com a significação atrás atribuída. Curiosamente, refere a palavra como sinónimo de dinheiro, e nessa acepção nunca a ouvi. Já ouvi leca, “fulano tem muita leca”, mas “fulano tem muita estaleca”, muito dinheiro, jamé, como disse o outro. No Brasil até é vista como moeda de um concurso qualquer, creio que do género Big Brother. Já dei voltas e voltinhas e da sua etimologia nada sei. Mas gostava de saber. Há algo porém que sei, e definitivamente: estes nossos políticos não têm estaleca para agarrar o nosso país pelos cornos, para levantá-lo pujante até às nuvens da nossa salvação. E deviam ter, não deviam? Que acham?...

sábado, abril 25

25 DE ABRIL

Hoje é sábado, dia 25 de Abril। A data não me é estranha, houve um tempo em que… De manhã, o céu estava azul. Agora, não sei porquê, cobre-se de nuvens cinzentas. A vida é assim: às vezes é azul clarinho, outras escurece… Nada como ir vivendo e aceitando. Por falar nisso, a Hilary foi ao Iraque. Que iria ela lá fazer? E o nosso amigo Sócrates, o filósofo português, que andará a fazer neste fim-de-semana? Gosto destes filósofos do nada, são uns niilistas e, claro, não dizem nem fazem nada. Ouvi dizer que vai ser processado pela Manuela. Este é um país de processos. Não, escrevi mal, de abcessos. Estou aqui a pensar no que vou fazer segunda-feira. Mas segunda é um futuro muito longínquo, acho que vou pensar no amanhã. Oxalá dê sol, talvez me estire na areia de Ofir. Às vezes vou lá para ver surfar as gaivotas e piscar o pôr-do-sol.
Hoje, portanto, é o dia 25 de Abril. Olho em volta: onde estão os nossos ideais? O dia acordou cheiinho de sol, porque está tão nublado agora?

quarta-feira, abril 22

À RASQUINHA LÁ VAMOS ANDANDO INDO...

Lembram-se da geração rasca, do nosso sábio Vicente? Pois é verdade, dizem que anda por aí um adjectivo vestido de negro, a impor-se às criancinhas, transformando-os em indigentes analfabetos. Dizem, mas eu não acredito. Porque não há gerações ordinárias, muito menos reles. Há é o que há, e se calhar a culpa é da sobrinha. Os dicionários bem registam estas e outras acepções. Na Madeira, parece que gostam destas rascas, desde que bem tostadinhas com manteiga. Os pescadores chamavam rasca aos barquinhos de pesca, e daí talvez rascar, verbo assim meio para o arcaico. O Dicionário da Academia nem menciona este verbo e penso que não faz bem. Porque, no verbete do rasca, lá vem a referência a uma pretensa derivação regressiva do verbozinho rascar, e ele foge-que-te-agarro. Mas é verdade que andamos todos à rasca, eu diria mesmo à rasquinha, e isto talvez queira dizer que andamos aflitos nas ondas do nosso tumultuoso mar. Que isto de ser pescador sem cana tem que se lhe diga. Que o diga o sapiente Sócrates, que parece que rema, mas só abana.


De Metakrítica

terça-feira, abril 21

ESTES PROBLEMAS TÉCNICOS...

Pois é, não tenho escrito porque não conseguia abrir o metakrítico. Não me perguntem porquê, porque não sei. De repente já dá outra vez. Máquinas e mulheres, quem quiser que as compreenda...

sexta-feira, março 6

ENTRAR PARA FORA?

No âmbito linguístico e literário, o pleonasmo é uma redundância. Por norma, enfatiza algo que já foi dito, ora de forma simples ou compósita. Subir para cima, descer para baixo ou gritar alto são pleonasmos comuns, usados pelos utentes da língua nas mais diversas circunstâncias. Tal como comum é o pleonasmo entrar para dentro. Mas, será esta expressão sempre pleonástica? Isto é, poderei em alguma circunstância entrar para fora? Claro que não, dirão todos “em uníssono”. E eu direi que sim. Ou pelo menos, dizia um treinador de futebol que tive nos meus tempos mais imberbes. Era argentino e tinha um sotaque brasileiro interessantíssimo. Nos momentos tácticos, colocava-nos à entrada da grande área, mas fora dela. Lembremo-nos que a área é delimitada de forma perpendicular, em que as linhas referenciais são uma horizontal e uma vertical. Dizia-nos então no seu timbre bem sonante:

Paulão, você está aqui perto da área. Se movimenta, né? Justino, você também, se movimenta, né? Paulão, você entra p’a dentro, hem? (da linha horizontal). Justino, você entra p’a fora (da linha vertical). O Nené bate a bola na linha, Justino você cruza e Paulão faz gol. Pô, é simples!

Às vezes a jogada resultava. A explicação também. Como se vê, nem sempre pleonasmo é vício. Às vezes é virtude... principalmente quando resulta em golo.

quinta-feira, março 5

CARCANHOL

Rima com espanhol, mas até este anda presentemente à brocha. Basta ver o desemprego a voar para os vinte por cento e concluímos da veracidade da coisa. Por estas bandas, como por aquelas, o carcanhol, o celebérrimo meio de troca convencional que, ou tilinta na carteira ou apodrece no banco, começa a escassear. Falo do dinheiro, esse malandreco, que já foi romano, alfonsim e de outras majestáticas barbas, e que hoje é de puríssimo plástico, ou nele virtualmente incluso. Quando o pilim é miúdo, anda trocado no algibeira dos pobres. Pilim em ricaço não tilinta, que é isso de trocados na carteirinha suja? Porque anda por aí muito dinheirinho sujo, pelo que se vai vendo nos Madoffs e nuns banquinhos cá da parvónia…Não sei porquê, mas sempre me intrigou a forma como alguns grandes barões fazem dinheiro, como nele nadam em qualquer praia das Caraíbas. Nem como o lavam, sem esfregona nem balde, bastando-lhes um simples clique, desta forma, assim, com os dedos a raspar…

O carcanhol, pois, que o Dicionário Houaiss sinonimiza em 127 formas diferentes em todo o universo de língua portuguesa. E não esgota o repertório! Querem ver a lista? Ora aí vai: algum, arame, bagaço, bagalhoça, bagarote, bago, baguines, bagulho, bala, barro, bazaruco, bilhestre, bilhestro, bolsa, bomba, boro, boros, broca, brocha, cabedal, cacau, calique, cantante, capim, capital, caraminguá, carcanhóis, caroço, cascalho, cédula, changa, chapa, chavo, chelpa, cheta, china, chinfre, cobre, cobres, cominho, conques, contado, coscorrinho, coscos, cunfres, cunques, cuprém, erva, estilha, falépia, felpa, ferros, fundos, gadé, gaita, gás, gimbo, grana, guines, guino, guita, jabaculê, jubungo, jimbo, jimbomgo, jimbra, João-da-cruz, lâ, legume, lençol, luz, maço, maquia, marcaureles, marco, massa, metal, milho, moeda, mosca, mufunfa, música, narta, níquel, nota, numerário, numo, óleo, ouro, pacotes, pápula, parnau, parné, parneque, parni, parrolo, pasta, pataca, pataco, patacos, pecúnia, pecuniária, pelga, penique, pila, pilcha, pilim, pilimpilim, prata, quido, roço, sapécoas, tacho, taco, teca, tostão, tubos, tuncum, tusta, tusto, tutu, unto, vento, verba, vintém, zergulho, zinco.

E os sinónimos que aqui faltam, usados aqui e ali pelo bom povo de língua portuguesa. Quem disse que a malta anda tesa não errou. Mas errou se falava de palavras. Porque, dessas, temos nós os bolsos cheios.

terça-feira, março 3

Escritores, esses novos proletários…

Leio no Magazine Littéraire e não me admiro : o caminho da criação literária enche-se de escolhos, entre os quais avulta a ausência progressiva de leitores. É assim em Inglaterra, pelos vistos é assim em França e, evidentemente, é também assim em Portugal. O problema pode sintetizar-se na afirmação de Jean-Marc Roberts, diretor da Stock: «dans quelques années, il va devenir impossible aux éditeurs de faire leur métier : soutenir des projets littéraires qui ne sont pas rentables à court terme, et permettre à des écrivains de vivre de leur plume». Na pior das hipóteses, enterrado o criador, de que alimentaremos o nosso insonso espírito? A leitura é a vitamina do coração. Vitaminemo-nos lendo. Ao fazê-lo alimentamos também o criador, ou, se preferirmos, o Criador.

segunda-feira, março 2

EXPECTÁVEL

Escrevo nesta página expectar. Curioso, aparece-me sublinhado a vermelho. O verbo não existe? Existe, e significa estar ou permanecer em expectativa, ter esperança, esperar... O étimo é naturalmente latino e forma o adjectivo em -ável, como todos os verbos em –ar. Portanto: expectável.

Expectável é adjectivo da moda, e vai sendo escrito como sinónimo de provável, ou esperável, este caído em desuso não se sabe bem porquê. Mas soa bem, dá um ar da sua graça, empina o nariz de quem o pronuncia. Principalmente se for político. Ou guru das finanças, daqueles que ganham milhões e vêem as empresas em derrocada. É expectável que a bolsa recupere? Claro, se entretanto a coserem bem cosida. Porque com o buraco que tem não há pilim que lá se aguente.

domingo, março 1

A ética e a dor de barriga.

Num texto publicado no Público, dizia Eduardo Prado Coelho que, hoje em dia, a cultura ou a ética se tornaram argumentos secundários numas eleições. Eu diria mais: nem são argumentos, nem, logicamente, são secundários. Simplesmente, não existem. Que é isso de cultura, ou que interesse tem na caça ao voto? Quando muito, a cultura da batata. Porque a lógica, às vezes, é mesmo uma batata. E depois, a ética, meu Deus, a ética, essa coisa universal que os políticos torcem na sua moral indecifrável… Só de ouvi-los, que dor de barriga, como diria Xenofonte a propósito da ingratidão filial. E já agora, jovens, leiam Savater!

quinta-feira, fevereiro 26

SEQUÊNCIAS CONSONÂNTICAS

A propósito de sequências consonânticas (Base IV do Acordo Ortográfico), estou a interiorizar a forma como, doravante, vou escrever algumas palavras. Algumas, bem comuns, são as seguintes:

a) Convicção, convicto, ficção, pacto, adepto, apto, eucalipto, núpcias, rapto…
b) Ação, coleção, direção, adoção, ótimo…
c) Facto, setor, conceção, corrupto, receção…
d) Assunção, perentório, suntuoso…

Acho que vou escrevê-las assim, porque assim as pronuncio. Mas que isto vai ser complicado, lá isso vai… E vai demorar algum tempo…
ÍNDICES DE CONFIANÇA NO FUNDO

É geral: os índices de confiança de empresários e consumidores estão em mínimos de sempre em todo o mundo. E isso, parecendo mau, até é bom. Significa que estamos no fundo de uma crise sem precedentes e que, a partir de agora, o caminho é o da recuperação. Talvez andemos uns tempos neste fundo, com a economia a receber o impacto da estupidez financeira, mas a recuperação virá. E eu quero estar no centro dela.

quarta-feira, fevereiro 25

À PINHA

Não, não há pinha nos pinheiros, pelo menos nos pinheiros mansos. Parece que alguém se entretém a cortá-las ainda em flor, de modo que… nem vê-las. Por acaso, sou maluco por pinhões, no Natal entretenho-me a descascá-los, gosto do sabor a queimado. Um dia destes, o Rui falou-me de outras pinhas, uma fruta tipo anona, que lhe deram no Brasil. Gostou, e aprendeu o nome da coisa. Nos lados mais marisqueiros, as pinhas podem ser de bivalves e congéneres, tipo mexilhão ou percebes. E como o Zé é um grande mexilhão, a pinha também pode ser de Zés, ou claramente de gente. Se os Zés se acarneiram em magotes, formam uma enormíssima pinha. E se estão no Campo-da-Vinha, este fica à pinha, com os Zés encavalitados uns nos outros. A maioria das vezes, os carneiritos têm areia a mais na moleira, e sofrem da pinha, ficam com ela completamente desregulada. No limite, quando isso acontece, podem até comer a pinha a alguém, enganá-lo, intencionalmente ou não. Conclusão: isto de pinhas é como diz a Aninhas: ou te tratas ou definhas.

Retomado de Metakrítica

quinta-feira, fevereiro 19

HOW WE DECIDE

Cesário verde só escreveu um livro, justamente intitulado O livro de Cesário Verde. O que mais se evidencia na sua poesia é o contraste profundo entre o campo e a cidade. O campo, apresentado como puro e simples; a cidade, apresentada como dura e difícil, à luz moderna do gás. É parcialmente verdade que a cidade tem sido um motor da vida intelectual e da arte. Mas o campo? Mas Camilo? O campo faz-nos desfrutar a natureza, faz-nos respirar o ar puro, faz-nos recordar segundo a segundo as flores e os pássaros, a água cristalina dos riachos, o cheiro a erva dos prados molhados. A cidade, por seu lado, obriga-nos a correr, a cerrar cortinas, a trancar as portas, a mirrar de stresse. Será a cidade uma assassina da nossa memória e das nossas emoções, desta máquina limitada que se chama mente ( Marc Berman)? Por que razão temos uma necessidade urgente de pôr plantas em casa, ou parques arborizados nas cidades? Se as cidades contribuem definitivamente para a perda do nosso controlo emocional, porque não fazer como a Lídia de Pessoa, beijando-nos puros à beira do rio?

A ciência neurobiológica atual vem pondo em relevo a importância da emoção, contrabalançando-a à razão. O paradigma cartesiano vem sendo problematizado (ver Damásio, por exemplo) e discutem-se, hoje, fatores ainda há bem pouco tempo depreciados.

How we decide é um livro muito recente de Jonah Lehrer, muito interessante e continuador desta nova via interrogativa: o que é a emoção, como decidimos e que fatores contribuem para as nossas inopinadas decisões. Para ler rapidamente.

quarta-feira, fevereiro 18

ACORDO ORTOGRÁFICO

Pois é, lá terei de realizar pequenas mudanças na forma de grafar as palavras. Nada de grave, suponho, o que custa é começar. E eu começo hoje e aqui. Porque aqui ninguém me bate, mesmo que “erre” de vez em quando. Porque já sei que vou errar.

Comecemos então a recapitular:
A Base II do Acordo, relativa ao h inicial e final, traz algo de novo? Hmmm… Parece que não. Por força da etimologia, continua a escrever-se onde se escrevia: haver, hélice, hoje, hora…; em virtude da adoção convencional, continua-se com o hã?, hem?, hum!; suprime-se, como se suprimia (partindo-se da etimologia), em erva (em vez de herva), etc. Nada de novo. Suprime-se ainda, como se suprimia, nos casos de composição interna: desarmonia, desumano… Mantém-se, como se mantinha, em palavras compostas como pré-história, sobre-humano…O h final continua a empregar-se em interjeições como ah!, oh!...

Conclusão: tudo como dantes, quartel general em Abrantes.


Nota: Reparo que escrevi a palavra "adoção" em vez de "adopção". Custou muito? Nem por isso...

terça-feira, fevereiro 17

SESTÉRCIO DE ADRIANO


Coleccionar moedinhas pode ser barato, ou não. Depende do que coleccionamos. Há grandes coleccionadores de moedas romanas que, por vezes, perdem a cabeça. Este sestércio de Adriano custou a módica quantia de 2 milhões de francos suiços. É a moeda antiga mais cara de sempre. Mas é linda, não é?

Foto de: www.sacra-moneta.com

segunda-feira, fevereiro 16

A pose

Gosto de ler o Jornal de Negócios. Também pelos negócios, mas fundamentalmente pela pose. Estou aqui entretido a ler o Baptista-Bastos, já todos sabemos que escreve muito, e bem, mas o que impressiona é a pose: laçarote à maneira, leve mão no queixo com sorriso à moda de Lisboa, um must. Ao lado, o Fernando Braga de Matos, o da bolsa. Ar malandreco q.b., sorriso aproximadamente médio, dedo espetado na têmpora direita. De mãos no queixo e pose taciturna, o Fernando Sobral. E vão três de mãos no queixo. Ah, ali também o João Cândido da Silva: asas do nariz inclinadas à direita, mãos no queixo circunspectas. E pronto. O que está a dar é a pose. Não se esqueçam: ponham a mão no queixo, experimentem um sorriso e esqueçam a escrita. Quem quer saber de ideias neste rectângulo mal amanhado?

domingo, fevereiro 15

QUE NOSSA SENHORA NOS PERDOE!

Fiquei curioso. Não-te-metas-na-minha-vida é longa e curiosa designação para planta ou flor, e prova esta relação quase indissolúvel entre as nossas emoções e a natureza que as pressente. Na minha busca de outros nomes curiosos, de plantas ou flores, encontrei o choramingas não-me-deixes. Lembrei-me imediatamente daqueles versos do Gonçalves Dias, que dizem assim:

Debruçada nas águas dum regato
A flor dizia em vão
À corrente, onde bela se mirava...
"Ai, não me deixes, não!"

Onde terá o miosótis ganho cidadania como não-me-deixes? Na pena do poeta? Ou terá o poeta jogado este jogo entre a coisa e a sua denominação popular? Porque o povo tem-nas boas, ora é o não-me-deixes, ora o não-me-esqueças, ora ainda o não-me-toques, ora, no limite, o não-te-esqueças-de-mim. Claro que foi o povo, não o erudito, que nomeou as flores. A flor é de Abril ou é de Maio, é de esperança, é de amor ou de paixão. A de lis é também a da verdade. A flor-da-noite traz consigo uma alvorada. A viuvinha, essa, é a flor-de-viúva sorrindo à nova vida. Mas a melhor, a que me deixa mesmo derretido pela abrangência da significação é, sem a mínima dúvida, a flor-de-babado-de-nossa-senhora. Que a Senhora compreenda, e nos perdoe todos os pecados, inclusive o da nomeação.

sexta-feira, fevereiro 13

O NOME DAS FLORES

Hoje a Bela deu-me uma lição toda floral. Eu já sabia que nomear a natureza requer imensa sabedoria, há tantas árvores, tantas flores, que até me sinto envergonhado por desconhecê-las. Quer dizer, eu sei o que é uma tília, tenho-a mesmo em frente do nariz, dá muita sombra nos dias de canícula; também sei o que é um castanheiro, como dele as castanhas, a minha mobília é de castanho, podia ser de vinhático, mas não é. E até sei mais alguns nomes, mas perante elas, quando as vejo e quero identificá-las, saltam-me as meninges, sou analfabeto, alguém falhou na formação e fui com certeza eu. A Bela, pois, falou-me das arrudas. Eu conhecia o nome, mas nunca a vira. Que cheira mal, diz ela. Eu não achei. Tem um cheiro forte, mas não desagradável. Que espanta o mau-olhado. E parece ser verdade, pelo menos os antigos já lhe atribuíam esse condão. Outros querem-na afrodisíaca. Eles lá sabem. Mas quando me falou nos olhos-de-freira, nos pica-narizes ou nas cristas-de-galo, juro que descambei. Eu de flores sei as rosas e os cravos, os contáveis mal-me-queres e, em excepcional extremo, os brincos-de-princesa ou as alegria-no-lar, todas elas flores bem jardináticas e nada dadas a grandes interiores. O que eu não esperava da Belita era um não-te-metas-na-minha-vida. Olhei bem de soslaio para os seus ondulantes cabelos, franzi-lhe uma bochecha, e só ao fim de sorumbáticos segundos percebi que designava uma ervita qualquer. E eu na minha ignorância: isso são designações bem regionais, na minha terra nunca ouvi falar disso. A minha terra, ali ao lado, uma centena de metros, duas centenas talvez…

Retomado de Metakrítica.

quinta-feira, fevereiro 12

VIVA O SOL!

Hoje o sol abriu.

No jardim em frente abriu também a rosa.

Para o lixo com o pessimismo! Viva o sol e viva a rosa!

quarta-feira, fevereiro 11


FOTOS DE MIGUEL MEALHA

Procurava ligações sobre a palavra mealha. Encontrei esta página, absolutamente extraordinária, e não resisto a referi-la aqui. Miguel Mealha é um grandíssimo fotógrafo. Digo eu, que não pesco nada da coisa, mas que vou tendo algum olho estético.

Miguel Mealha, em: http://photo.net/photos/Mealha
DESCULPA

Certo aforismo, não sei se português, diz que é nosso verdadeiro amigo quem nada nos desculpa, mas tudo nos perdoa. Nas minhas horas mais libertas, tenho pensado muito nisso. Creio que todos temos amigos, daqueles denominados do peito, que, de quando em vez, nos pedem desculpa. Eles sabem bem porquê, mas a verdade é que o pedido de desculpas vai-se repetindo, e repetindo, sem que a origem dela desmaie, ou definitivamente se apague. Quem pede sistematicamente desculpa deve ter a consciência permanentemente pesada. Imagino que deve sofrer. Por isso, porque somos verdadeiros amigos, nós não desculpamos. Que valor teria, em tal contexto, a nossa desculpa? É preferível o perdão. Torna-nos maiores.

Uma pergunta apenas: quem perdoa também sofre, ou o acto de perdoar apaga de forma inelutável todo o sofrimento?

domingo, fevereiro 8

A propósito de omeletes

Diz o povo, na sua profundíssima sabedoria, que é impossível fazer omeletes sem ovos. Eu, como sou povo, também acho. Nos tempos que correm, as omeletes são um produto difícil de conseguir, razão por que os ovos quase se tornaram desnecessários. Por exemplo: a omelete que se chama Educação. Serão os ovos - isto é, os professores - necessários, ou o Estado pode prescindir deles, atirando-os para o caixote do lixo? Pelos vistos, pode. Os bons ovos até ganharam asas e fugiram, não vá alguém aproveitá-los para gemar as criancinhas... E a omelete Economia? Serão os ovos - isto é, as empresas, os trabalhadores - também necessários? Pelos vistos não: está tudo no desemprego, as empresas estão a falir... Está visto: de omeletes não vamos lá. A não ser... ora deixa lá ver... a não ser nas relações. Como dizia a Norinha, isto nem é carne nem é peixe, omelete de certeza que não é, pois nesse caso os ovos éramos nós. Pela parte que me toca, nego-me a ser ovo: de novo, digo eu.

segunda-feira, janeiro 26

QUANDO DIZER É FAZER
Um dia li Oswald Ducrot. Aprendi com ele que, quando usamos determinado tipo de verbos, ao dizer estamos já fazendo. Não é o povo que diz que prometer é favor? Pois, quem promete, já prometeu. Se cumpre ou não, isso é outro problema.
Com Ducrot aprendi também a pensar sobre argumentação e questionação. O que me intriga na questionação é o seu carácter "impositivo", talvez melhor, "ditatorial". Porque os outros assumem sempre que somos obrigados a responder a todas as perguntas, e a verdade é que não somos. Poderão os outros dizer que, se não queremos responder, é porque queremos esconder. O que não é verdade universal. Eu posso não querer responder porque me apetece não responder, e ponto final. Também posso assumir que não respondo porque a resposta leva em si algo da minha intimidade, e ela é, evidentemente, minha.
Acho, aliás, grande indelicadeza fazer certas perguntas, principalmente quando adivinho as respostas. Não acho justo pôr na corda bamba uma pessoa que, por uma ou outra razão, não quer responder. Poderão alguns sorrir da face corada dos outros, mas tal sorriso será sempre emocionalmente sobranceiro. Portanto, não faço certas perguntas. Acho mais justo esperar por alguma informação que me esclareça. Porque, quando alguém quer dizer, diz. E ao dizer, faz.

domingo, janeiro 25

É QUASE MEIA-NOITE.
É quase meia-noite, é hora de fazer o quê? Dizem que é a hora dos amantes. Vinte e quatro ou zero? O amor começa quando? No zero? Ou no vinte e quatro? Parecendo a mesma coisa, não o é. Porque o zero tende para menos infinito. E amor é mais. Por isso os amantes começam no zero. Ou no vinte e quatro. Tudo depende da extensão do amor. Esperem aí: vou ali buscar o metro.

quinta-feira, janeiro 22

Kekakitá

Palavra quimbunda? Não, não é. É qualquer coisa que ouvi em português, e que a Rosinha, menina esperta e bem rosadinha, também ouviu. Ouviu e, milagre dos milagres, compreendeu. Terá compreendido um significado? Vários significados? Ou terá identificado um sentido? Terá ouvido um som, um significante, ou terá processado a uma velocidade supersónica um somatório de sons? Terá ouvido uma palavra ou uma frase?
Perguntara-lhe a Diana, apontando para uma imagem de Alice no País das Maravilhas:
- Kekatitá?
E a Rosinha, sorrindo, respondeu como uma luz de foguete:
- Tá uma casinha.
Quem ensinou estas coisas à Rosinha? Que gramáticas terá lido? Mas ela só tem seis anos…
QUOD EST FELICITAS?

Continua a chover lá fora.
Obama não mudou o tempo, embora pareça ter mudado muitos corações. Será ele o tal? As bolsas têm dito que não…A ver vamos.
Neste cantinho sagrado, cumpramos a nossa missão: olhemos a vida com olhos abertos, respiremos o cheiro da água e lutemos pela felicidade possível. Sed quod est felicitas? Como diria o filósofo, ergo felicitas magus consistit in actu voluntatis quam in actu intellectus. Do que duvido. Vou pensar melhor nisso: talvez a resposta esteja ao virar da esquina.

segunda-feira, janeiro 19

CHOVE LÁ FORA, ESTÁ FRIO

Chove lá fora, está frio.
Apetecia-me escrever sobre o amor. Às vezes vejo-o nas nuvens, em fios de algodão ou em formas de tigre. Mas hoje o céu está cinzento e o algodão desfez-se em lágrimas.
Portanto, não vou falar de amor.
Mas, mesmo que pudesse, de que valeria, se não o sentisse?
Porque, para amar, são precisos dois.
Ou basta um?

Foto: MaddieCarter95, photobucket

segunda-feira, janeiro 12

Ai estes árbitros…

Ontem vi o meu Braga jogar contra o Benfica. E jogou bem. Vi uma arbitragem horrorosa, inexplicável, só possível num sistema desportivo governado ao milímetro por quem pode. Aquele golo em fora-de-jogo, aquela grande penalidade, aquela entrada a matar do Luisão… Este árbitro vai continuar a apitar? Se sim, boa vai ela, como diz um meu conterrâneo.