segunda-feira, março 29

MARISA!...

Há da vida coisas belas, momentos únicos que guardo para sempre no meu coração. Curiosamente, tais momentos cinzelaram-se ao som de vozes inolvidáveis, vozes principalmente femininas que me fizeram tremer de emoção. Registei-as e refiro-as. Não dou com certeza novidade nenhuma, pois tais vozes são geniais e universais. A primeira foi Amália. Inesquecível no seu timbre português. Depois, Emma Shapplin e Marisa, vozes do outro mundo que me fizeram e fazem sonhar. Finalmente, Tarja Turunen, lá de longe, com ritmos de pingos de água. Continuo a ouvi-las e embalo-me. Cai chuva lá fora. Ouço “chuva” e rendo-me a Marisa.

domingo, março 28

O HOMEM REVOLTADO

Houve o tempo, o “meu” tempo, de realismos à Eça ou à Cesário, ou de existencialismos à Sartre, à Beauvoir ou à Camus. De Sartre, li com sofreguidão La Nausée, L’être et le Néant e Qu’est-ce que la littérature. Da Simonel li Les Mandarins, livro escrito exactamente no ano do meu nascimento. Por arrasto, fui até Camus. Porque sempre gostei de ler os autores na língua original ( quando domino as línguas, evidentemente), atraquei em L’Étranger, Le Mythe de Sisyphe, La Peste e L’Homme Révolté. Nesta minha fase “existencial”, aprendi que a literatura pode ( deve?) ser um retrato fiel da realidade, e que a sua função pode ( e deve?) ser social, isto é, o livro deve estar ao serviço da multidão. Porém, quanto mais mergulhava nestes livros, de temáticas muito escuras ( náuseas, pestes, revoltas…), mais me apercebia de que a vida é também sol e alegria, brisa azul à margem do mar. E deixei Camus. E os outros. E virei-me durante muito tempo para os poetas. Até hoje. Por acaso, ao mexer numa das estantes da casa, dei de caras com O Homem Revoltado. Abri-o, folheei-o, e, não sei porquê, pensei no ser humano português. Haverá algum português que, de uma ou de outra forma, não se sinta, neste momento, revoltado com a sua circunstância? É fácil hoje ser “poeta” em tempos de perturbação e de agonia? Quem, passando fome, olha com olhos de sol o verde-azul do largo mar? Fechei o livro e não quis relê-lo. Preferi sentar-me com Caeiro e sorrir com a bela Lídia à beira do rio.

sábado, março 13

A propósito de PORCOS

Porco é palavra dicionarizada. Sabemos o que denota e, creio, o que conota. É nome masculino, designa um animal muito porco, que chafurda na porcaria, mas que nos dá umas febras (gosto mais das febras do que das fêveras, principalmente se forem bem grelhadas e regadas com uma boa pinga) e uns presuntos de se tirar o chapéu ( já sabemos que ninguém usa chapéu, mas escapa!). É também, como atrás se viu, um adjectivo muito forte, principalmente se o nosso vizinho cheirar mal e lho dissermos de chofre na cara. Coisa que, por recato e boa educação, nunca faremos, evidentemente. Mas não faremos nós, a plebe, os descamisados da gleba. Porque, aí pelas bandas das Europas, e das Américas, e até das Ásias, está na moda insultar-nos, a nós e a uns pobrezinhos que nos rodeiam no mapa, soprando-nos com um valente PIGS. Esta palavra, que é um acrónimo recente, refere os quatro países mal-cheirosos ( mal-comportados financeiramente), a saber, Portugal, Irland, Greece e Spain. Estes países são uns valente pigs! O problema é que, de tão macérrimos* que somos, acho que nem o osso se aproveita… Mas, aqui para nós, que ninguém nos ouve, que acrónimo poderíamos criar para espetar na cara daquela gente, que assim nos insulta sem receber troco? Por exemplo, e se fosse FUKUSA? Façam o exercício. Poderia ser a France, o United Kingdom, os United States of Americas, etc. E “prontos”, dávamos um valente fukusa àquela gente...

* Macérrimo = superlativo de magro.

A sigla consiste na representação de um nome, curto ou extenso, por meio das suas iniciais. (CGD)
O acrónimo, por sua vez, consiste na simplificação de um conjunto de palavras ou sílabas, tendo em vista, por exemplo, a facilidade de memorização. (PIGS)

quarta-feira, março 10

OLÁ, OLÉ, MERELINENSE!...


S. Pedro de Merelim é uma freguesia de Braga. Por arte da dedicação de algumas pessoas, vem desenvolvendo um projecto na área do futebol absolutamente fantástico, tendo em conta os seus frágeis orçamentos. A sua equipa sénior está na II divisão nacional. Se pensarmos que nesta divisão estão equipas como o Boavista, o Tirsense, o Moreirense ou o Vizela, já se vê o quão hercúleo é o esforço para se manter nesta divisão. Os juniores frequentam habitualmente o Nacional. Ainda há bem poucas semanas empataram com o F. C. do Porto, venceram a Académica de Coimbra e o Sporting de Braga, três colossos do futebol português. Acham pouco? Eu não. Acho simplesmente extraordinário! As duas equipas de Juvenis comandam destacadas as suas séries. Neste domingo, o Merelinense venceu o Sporting de Braga por, imagine-se, 4-0! A equipa principal de Iniciados comanda também a sua série e luta pela subida ao Nacional. Quer dizer: o Merelinense é um clube com uma mentalidade vencedora absolutamente incomum e deve receber de todos os bracarenses e portugueses o merecido aplauso. Pela minha parte, cá está o meu modesto contributo. Sou sócio do clube com grande prazer, vibro com as suas vitórias e enalteço o trabalho dos grandes carolas, que tudo dão sem nada receber, a não ser a alegria de ver os jovens alegres e felizes.
Bem hajam, merelinenses!

sábado, março 6

AS REFORMAS E O PARADOXO DE ZENÃO

Lembram-se do paradoxo de Zenão, de Aquiles e da tartaruga? Pois é, o Aquiles bem queria apanhar a tartaruga, mas, por artes do diabo, quando chegava junto dela já ela tinha fugido… E retomava o movimento. Mas quando chegava outra vez junto dela, ou ao local onde tinha estado, já ela tinha andado mais um pouquinho. E assim até ao infinito. Tenho pensado muito neste paradoxo a propósito das aposentações, vulgo reformas, dos sacrificados portugueses. E não é que eles queriam apanhar a tartaruga inteirinha já em muitos anos do passado? E não é também que o raio da tartaruga dá sempre um passo em frente, e nunca é apanhada? Era aos cinquenta, e o Aquiles perto, junto lá da meia centena, e ela pimba, andou para os 55. E o Aquiles, coitado, já a resfolegar, acelerou até aos 55. Só que, por artes ainda por descobrir, o carapácico réptil lá saltou para os 60… Aquiles parou, atónito e pensou: mas será que o meu socrático filósofo tem mesmo razão e o paradoxo é mesmo universal? Vamos lá experimentar outra vez. E quase de bofes atirou-se aos 60. Mas não, já lá não estava. O outro tinha razão: aos sessenta nem se tenta. E Aquiles coçou o queixo. 62? 65? 67? 70? Não, não corro mais e seja o que Deus quiser. Talvez a tartaruga e o filósofo morram pelo caminho, muito antes de mim. Nesse momento, ultrapassá-los-ei. De bengala, corcovadinho, mas impante e bem feliz.