segunda-feira, outubro 29

O VELHO

O sol crestava a terra. Eram duas da tarde e, na poalha nevrálgica dos campos, a quentura do Outono quase enlouquecia. Este ano a temperatura ergueu-se em poses altaneiras e convida à sombra, ao sono poltrão debaixo da ramada. Pensara dirigir-me ao rio, à frescura verdejante das águas, e para lá me guiava, entre visões coloridas de folhas em queda permanente. Numa tarde assim, inebriando o cheiro das longínquas águas, aquele quadro perturbou-me, qual Rembrandt pintando encurvadas ceifeiras. No campo empedernido coberto de palhas, um velho esquálido colava-se ao arado. De barba longa e branca, o seu esforço ingente aliava-se ao esgares do boi que, babando forças, rasgava sulcos negros na terra ressequida. Ao fundo, na sombra ligeira do valado, um jovem, aparentemente mongolóide, espreguiçava um chapéu largo de feltro. Meio campo semeado de sulcos; outro meio por semear. Olhando bem, parecia-me ver em cada leira marcas de suor, do homem e da besta irmanados no mesmo objectivo. O quadro era um clássico, com todos os traços da rural realidade: nem traço de modernidade, nem tractores, nem máquinas, apenas o homem, o animal e a terra, tal como em tempos ancestrais. E dei comigo a pensar no mito fundamental do eterno retorno, deste regresso à nossa origem, inevitavelmente telúrica, inexoravelmente humana: que motivos ponderosos cravavam aquele velho assim à terra e ao arado, quantas lágrimas de suor não contaria a chamejante poalha? A vida é bela vista assim, de passagem, retocada em quadro. Qual seria, no entanto, o preço da figuração real?

quarta-feira, outubro 10

CENTRO DE ESTÁGIO DAS CAMÉLIAS – QUE BELEZA… ;)

Quem acompanha o fenómeno desportivo com maior ou menor regularidade, especificamente o futebol infantil e juvenil bracarense, há muito ouviu falar de infra-estruturas inexistentes, e também há muito ouviu responsáveis locais jurarem a pés juntos que “este ano é que é!”, “finalmente os nossos jovens vão deixar a lama e o pasto para as vaquinhas”. Pela minha parte, já várias vezes expus a vergonha de ver uma cidade como Braga sem nenhum tipo de estrutura para a prática do futebol, dado que as verdadeiramente existentes eram “pertença” do Sporting de Braga. E creiam que, por muito que da edilidade me jurassem que “este ano é que é!”, eu nunca acreditei muito, pois tinha a ideia de que os nossos diligentes edis tinham outras preocupações, e não estavam para se chatear com essas coisas do desporto para as criancinhas. Não acreditava, mas peço desculpa. Eu já não ia às Camélias há bastante tempo, fui lá ontem e fiquei completamente deslumbrado. Para quem não se lembra do lugar, digo-lhes que por lá passeavam cobras e lagartos, no meio do imundo silvedo, para além das tradicionais vaquinhas que, em tempo de florescentes exposições, defecavam ali, no exactíssimo lugar onde o Luís se estirava para a magistral defesa. Aliás, o cheiro a bosta era, se bem se lembram alguns, uma espécie de elixir, de estimulante para as grandes jogadas e para as defesas magistrais. Lembro-lhes também que, naquela zona baixa dos campos, florescia a malta da droga, que aproveitava e bem, na sua perspectiva, claro, os espaços assim vilmente abandonados.
Pois, eu já não ia às Camélias há algum tempo. Por isso fiquei de boca aberta, embasbacado, de olhos assim para o estupefacto, quando vi a verdura cintilante dos seus campos. Finalmente, gritei. Até que enfim estes gajos fizeram alguma coisa de jeito! Em cima, um balneário de um branco imaculado, rodeado de jardins cheiinhos de roseiras. Uma piscininha ao fundo dá-lhe um ar asseado. Ao lado, dois campos de futebol de um verde sintético de chorar por mais. Mais em baixo, naquilo que dantes era antro, que beleza… Um novo campo com um centro de estágio ao fundo. E nos três campos, como grilos de asas chamejantes, dezenas, centenas de miúdos corriam e gritavam atrás da bola. Quase chorei de alegria. Finalmente, meu Deus, finalmente os edis fizeram obra. Obrigado, meu presidente, obrigado, meu vice-presidente. Obrigado, minhas vereadoras. Que Deus os abençoe por tão supimpa obra, que enobrece, que engrandece, que, que, que faz da nossa cidade a melhor cidade do mundo. Agora sim, é bom viver em Braga!
In Diário do Minho, 07.10.2007