domingo, março 28

O HOMEM REVOLTADO

Houve o tempo, o “meu” tempo, de realismos à Eça ou à Cesário, ou de existencialismos à Sartre, à Beauvoir ou à Camus. De Sartre, li com sofreguidão La Nausée, L’être et le Néant e Qu’est-ce que la littérature. Da Simonel li Les Mandarins, livro escrito exactamente no ano do meu nascimento. Por arrasto, fui até Camus. Porque sempre gostei de ler os autores na língua original ( quando domino as línguas, evidentemente), atraquei em L’Étranger, Le Mythe de Sisyphe, La Peste e L’Homme Révolté. Nesta minha fase “existencial”, aprendi que a literatura pode ( deve?) ser um retrato fiel da realidade, e que a sua função pode ( e deve?) ser social, isto é, o livro deve estar ao serviço da multidão. Porém, quanto mais mergulhava nestes livros, de temáticas muito escuras ( náuseas, pestes, revoltas…), mais me apercebia de que a vida é também sol e alegria, brisa azul à margem do mar. E deixei Camus. E os outros. E virei-me durante muito tempo para os poetas. Até hoje. Por acaso, ao mexer numa das estantes da casa, dei de caras com O Homem Revoltado. Abri-o, folheei-o, e, não sei porquê, pensei no ser humano português. Haverá algum português que, de uma ou de outra forma, não se sinta, neste momento, revoltado com a sua circunstância? É fácil hoje ser “poeta” em tempos de perturbação e de agonia? Quem, passando fome, olha com olhos de sol o verde-azul do largo mar? Fechei o livro e não quis relê-lo. Preferi sentar-me com Caeiro e sorrir com a bela Lídia à beira do rio.

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