sexta-feira, junho 19

DEPOÊNCIA


Não é normal: voz ativa é voz ativa, voz passiva é voz passiva. Nesta estrutura, a passiva, assume-se sempre a presença de um agente que, na estrutura ativa de base, age funcionalmente como sujeito sintático. As regras de transformação passiva são fáceis de apreender, embora haja situações delicadas que resultam das características semânticas dos verbos utilizados. No mesmo sentido, não é difícil compreender como o conceito sintático de sujeito joga com o conceito semântico de agente. Casos há, porém, cuja clarificação das funções semânticas é absolutamente fundamental para a compreensão do jogo sintático. E, convenhamos, as gramáticas normativas tradicionais não explicam isso. O interessante nestas considerações tem a ver, no entanto, não com os verbos, mas eventualmente com os sintagmas nominais que são selecionados pelos verbos. Peguemos, como exemplo, nos verbos levar e apanhar. E registem bem a coisa, que é mesmo de registar! Se a Sandra leva uma saca, ou se apanha fruta, não se duvida que ela é sujeito sintático e agente das ações consideradas. Todavia, se em vez de levar uma saca ou de apanhar fruta, levar uma bofetada ou apanhar pancada, a coisa muda de figura. Ela continua a ser o sujeito, mas deixa de ser o agente das ações em causa. Esse poderá ser, talvez, o marido ciumento. E a Sandra passa de agente a paciente, ou a alvo das ações. Quer dizer, a compreensão das frases que vamos construindo depende de múltiplos fatores, bastas vezes de fatores que ultrapassam a própria inscrição verbal, e que são do âmbito da semântica, do significado das palavras e dos sentidos obtidos no seu jogo sintagmático. Por isso a importância da semântica para a clarificação da sintaxe e, correlativamente, para a compreensão do dito. A gramática tradicional, na linha da gramaticalização latina, chamava a estes verbos de valor passivo verbos depoentes. E há alguns, com efeito. Temos é de conhecê-los.


Sem comentários: