DEPOÊNCIA
Não é normal: voz ativa é voz
ativa, voz passiva é voz passiva. Nesta estrutura, a passiva, assume-se sempre
a presença de um agente que, na estrutura ativa de base, age funcionalmente
como sujeito sintático. As regras de transformação passiva são fáceis de
apreender, embora haja situações delicadas que resultam das características
semânticas dos verbos utilizados. No mesmo sentido, não é difícil compreender
como o conceito sintático de sujeito joga
com o conceito semântico de agente.
Casos há, porém, cuja clarificação das funções semânticas é absolutamente
fundamental para a compreensão do jogo sintático. E, convenhamos, as gramáticas
normativas tradicionais não explicam isso. O interessante nestas considerações
tem a ver, no entanto, não com os verbos, mas eventualmente com os sintagmas nominais
que são selecionados pelos verbos. Peguemos, como exemplo, nos verbos levar e apanhar. E registem bem a coisa, que é mesmo de registar! Se a
Sandra leva uma saca, ou se apanha fruta, não se duvida que ela é sujeito
sintático e agente das ações consideradas. Todavia, se em vez de levar uma saca
ou de apanhar fruta, levar uma bofetada ou apanhar pancada, a coisa muda de
figura. Ela continua a ser o sujeito, mas deixa de ser o agente das ações em
causa. Esse poderá ser, talvez, o marido ciumento. E a Sandra passa de agente a
paciente, ou a alvo das ações. Quer dizer, a compreensão das frases que vamos
construindo depende de múltiplos fatores, bastas vezes de fatores que
ultrapassam a própria inscrição verbal, e que são do âmbito da semântica, do
significado das palavras e dos sentidos obtidos no seu jogo sintagmático. Por
isso a importância da semântica para a clarificação da sintaxe e,
correlativamente, para a compreensão do dito. A gramática tradicional, na linha
da gramaticalização latina, chamava a estes verbos de valor passivo
verbos depoentes. E há alguns, com efeito. Temos é de conhecê-los.
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