quinta-feira, fevereiro 15

AS DEMASIAS

Francisco Manuel de Melo, Carta de Guia de Casados

De todas as grandes personalidades da literatura portuguesa, D. Francisco Manuel de Melo é, para mim, a mais extraordinária. Quando li, pela primeira vez, a Carta de Guia de Casados, fiquei absolutamente deslumbrado com a visão que o escritor tinha da mulher portuguesa. Claro que lida à distância de tantos anos, com a transformação cultural entretanto acontecida, a Carta nos força o sorriso. Mas que nos informa acerca do relacionamento marital da época, inflexivelmente patriarcal, isso é uma evidência. Leiamo-lo:

Dizia um nosso cortesão, havia três castas de casamento no mundo: casamento de Deus, casamento do diabo, casamento de morte. De Deus, o do mancebo com a moça. Do diabo, o da velha com o mancebo. Da morte, o da moça com o velho.


Ele certo tinha razão porque os casados moços podem viver com alegria; as velhas casadas com moços vivem em perpétua discórdia; os velhos casados com moças apressam a morte, ora pelas desconfianças, ora pelas demasias.

Visto à lupa dos dias de hoje, com tantos tratamentos e publicidade à disfunção eréctil ou ao Viagra, o casamento do diabo ou da morte transformaram-se no casamento de Deus. Abençoadas demasias que nos alegram os dias e nos rejuvenescem as noites de lua cheia. Quanto às desconfianças, desconfio que já não sejam o que eram. E ainda bem. Porque, velho rabugento encanecido, quem te manda ser feliz aos olhos da juventude fria?

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