terça-feira, fevereiro 20

ADAMASTOR: O BELO E O HORRENDO

Adamastor é gigante mitológico, feio e apaixonado, desprezado pela nereide Thétis. Segundo o mito, percorreu terras e mares na busca da compreensão. Conhecedor profundo da mitologia grega e latina, Camões pegou no gigante e pô-lo no mar. Quando li, pela primeira vez, o episódio do gigante, chocou-me o contraste estabelecido entre a forma, horrenda, e a expressão emotiva do gigante, profunda e bela.

A descrição inicial é de um horrendo sublime:

Não acabava, quando ua figura
Se nos mostra no ar, robusta e válida,
De disforme e grandíssima estatura;
O rosto carregado, a barba esquálida,
Os olhos encovados, e a postura
Medonha e má e a cor terrena e pálida;
Cheios de terra e crespos os cabelos,
A boca negra, os dentes amarelos.

A exposição emocional do gigante – um choro medonho - é, também ela, de uma beleza inigualável.

Já néscio, já da guerra desistindo,
Uma noite, de Dóris prometida,
Me aparece de longe o gesto lindo
Da branca Tétis, única, despida.
Como doudo corri de longe, abrindo
Os braços para aquela que era vida
Deste corpo, e começo os olhos belos
A lhe beijar, as faces e os cabelos.
Assim contava; e, c'um medonho choro,
Súbito d'ante nossos olhos se apartou.

Foi este contraste entre o horrendo e o belo, um exterior, outro interior, mas pertença do mesmo ser, que me levou a devorar Os Lusíadas e a relê-lo sempre com acrescido entusiasmo.

Camões é um enormíssimo poeta. Leiam-no, por favor!

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