domingo, fevereiro 25
sábado, fevereiro 24
Diz Ivo Castro:
Não é o escritor, mas o gramático normativo quem fixa a norma; o escritor é o pretexto.
Se a norma fosse fixada por linguistas, e não por gramáticos, seria certamente mais respeitadora dos fenómenos de variação e dos actos de fala reais e verificáveis.
(...)
Contava Celso Cunha que Augusto Abelaira, incerto quanto a uma construção sintáctica infelizmente não identificada, pegou na Gramática do Português Contemporâneo para verificar se ela estava atestada; estava, mas atestada por uma citação do próprio Abelaira, que me confirmou a anedota.
quinta-feira, fevereiro 22
Existem várias formas possíveis para criar gentílicos, as mais comuns são as formadas por sufixos como -ês (em português), -ense (em macaense) e -ano (americano).
A formação dos gentílicos nem sempre consiste na junção de um prefixo à base do topónimo, este é um processo mais complexo, por exemplo, o gentílico de Castelo Branco é albicastrense e não *castelo-branquês, *castelo-branquense ou *castelo-brancano.
O Portal da Língua Portuguesa disponibiliza uma lista onde poderá consultar os diversos topónimos e respectivos gentílicos ordenados alfabeticamente, a pesquisa pode ser feita clicando:
na letra inicial do gentílico;
no nome do país;
no nome de distrito (para Portugal) e estado (para Brasil);
no nome do local (país, território)."
terça-feira, fevereiro 20
A descrição inicial é de um horrendo sublime:
Não acabava, quando ua figura
Se nos mostra no ar, robusta e válida,
De disforme e grandíssima estatura;
O rosto carregado, a barba esquálida,
Os olhos encovados, e a postura
Medonha e má e a cor terrena e pálida;
Cheios de terra e crespos os cabelos,
A boca negra, os dentes amarelos.
A exposição emocional do gigante – um choro medonho - é, também ela, de uma beleza inigualável.
Já néscio, já da guerra desistindo,
Uma noite, de Dóris prometida,
Me aparece de longe o gesto lindo
Da branca Tétis, única, despida.
Como doudo corri de longe, abrindo
Os braços para aquela que era vida
Deste corpo, e começo os olhos belos
A lhe beijar, as faces e os cabelos.
…
Foi este contraste entre o horrendo e o belo, um exterior, outro interior, mas pertença do mesmo ser, que me levou a devorar Os Lusíadas e a relê-lo sempre com acrescido entusiasmo.
Camões é um enormíssimo poeta. Leiam-no, por favor!
segunda-feira, fevereiro 19
Procura-se a palavra, o seu significado. Em Finisterra, de Carlos de Oliveira, é planta de seiva leitosa, purificadora. Se a ideia existe e a palavra não, inventa-se a palavra. Releio cinquenta e uma vezes esta obra-prima e fico na paisagem. Talvez em breve a sinta preencher com seres imaginados, os aranhiços, as areias enormes, os bois em movimento. O povoamento. Talvez eu sinta a transfiguração final e compreenda a mensagem. Ansiosamente aguardo. Entretanto, ofereço aos leitores a ligação. Francesa, mas muito interessante. Aproveitem a lekti-ecriture.
domingo, fevereiro 18
sábado, fevereiro 17
sexta-feira, fevereiro 16
Desde que tudo me cansa,
Comecei eu a viver.
Comecei a viver sem esperança...
E venha a morte quando Deus quiser.
Dantes, ou muito ou pouco,
Sempre esperara:
Às vezes, tanto, que o meu sonho louco
Voava das estrelas à mais rara;
Outras, tão pouco,
Que ninguém mais com tal se conformara.
Hoje, é que nada espero.
Para quê, esperar?
Sei que já nada é meu senão se o não tiver;
Se quero, é só enquanto apenas quero;
Só de longe, e secreto, é que inda posso amar. . .
E venha a morte quando Deus quiser.
Mas, com isto, que têm as estrelas?
Continuam brilhando, altas e belas.
José Régio
quinta-feira, fevereiro 15
Francisco Manuel de Melo, Carta de Guia de Casados
De todas as grandes personalidades da literatura portuguesa, D. Francisco Manuel de Melo é, para mim, a mais extraordinária. Quando li, pela primeira vez, a Carta de Guia de Casados, fiquei absolutamente deslumbrado com a visão que o escritor tinha da mulher portuguesa. Claro que lida à distância de tantos anos, com a transformação cultural entretanto acontecida, a Carta nos força o sorriso. Mas que nos informa acerca do relacionamento marital da época, inflexivelmente patriarcal, isso é uma evidência. Leiamo-lo:
Dizia um nosso cortesão, havia três castas de casamento no mundo: casamento de Deus, casamento do diabo, casamento de morte. De Deus, o do mancebo com a moça. Do diabo, o da velha com o mancebo. Da morte, o da moça com o velho.
Ele certo tinha razão porque os casados moços podem viver com alegria; as velhas casadas com moços vivem em perpétua discórdia; os velhos casados com moças apressam a morte, ora pelas desconfianças, ora pelas demasias.
quarta-feira, fevereiro 14
O senhor Cunha tem o gabinete à cunha por causa das cunhas. Coitado do homem! Denominaram-no assim, que há-de fazer? Coitado dele e coitadas das palavras, que não têm culpa nenhuma das nevralgias humanas. Pensando bem: se meto uma cunha para firmar dois objectos, que abjectos cunham os que, de havano em riste, fumegam no gabinete à cunha? Quem souber responder que responda.
segunda-feira, fevereiro 12
sábado, fevereiro 10
Li há tempos Thoughts in a Dry Season, de G. Brenan. Enquanto lia, lembrei-me daquela famosa canção, creio que espanhola, que diz tres cosas hay en la vida, salud, diñero y amor… Por acaso, uma canção muito bonita, pois transmite uma mensagem positiva a todo o ser humano. E dei por mim a pensar: o que é realmente importante na vida? O amor, claro, é muito importante. Mas há pessoas que vivem solitárias, algumas por opção, e não o consideram assim tão necessário. O dinheiro, claro, também é muito importante. Mas há tanta gente no mundo sem dinheiro… A saúde, evidentemente, é muito importante. Mas, podemos comprar a saúde? Diz Brenan que os que põem o amor em primeiro lugar o fazem porque têm a barriga cheia. Se tivessem a barriga vazia todos os dias, escolheriam o dinheiro. Se a saúde e o dinheiro são privilégios de ricos, que lugar ocupará o amor? Será, dos ricos, o supino privilégio? Que acham?
quarta-feira, fevereiro 7
segunda-feira, fevereiro 5
Je suis comme le roi d'un pays pluvieux
Riche, mais impuissant, jeune et pourtant très-vieux,
Qui, de ses précepteurs méprisant les courbettes,
S'ennuie avec ses chiens comme avec d'autres bêtes.
Rien ne peut l'égayer, ni gibier, ni faucon,
Ni son peuple mourant en face du balcon.
Du bouffon favori la grotesque ballade
Ne distrait plus le front de ce cruel malade;
Son lit fleurdelisé se transforme en tombeau,
Et les dames d'atour, pour qui tout prince est beau,
Ne savent plus trouver d'impudique toilette
Pour tirer un souris de ce jeune squelette.
Le savant qui lui fait de l'or n'a jamais pu
De son être extirper l'élément corrompu,
Et dans ces bains de sang qui des Romains nous viennent,
Et dont sur leurs vieux jours les puissants se souviennent,
Il n'a su réchauffer ce cadavre hébété
Où coule au lieu de sang l'eau verte du Léthé.
Charles Baudelaire