quinta-feira, março 31

JASMIM

O jasmim é uma planta oleácea com flor do mesmo nome, de origem árabe e crivo do francês, flor de cinco pétalas de cores variegadas. Linda planta e linda flor. Gosto dela pela sua beleza e pela sonoridade da palavra, gosto das palavras que terminam em im, como jasmim e alecrim. Servem bem a poesia, o seu ritmo, a sua rima. Às vezes entretenho-me a ver designações e delicio-me com o resultado. Não sabia - mas fiquei a saber! - que há o jasmim-amarelo, o jasmim-azul, o jasmim-laranja, o jasmim-verde e o jasmim-vermelho, tudo nomes ditos aqui e ali por quem gosta de aromas doces. Também não conhecia a referência a lugares relacionados com a flor, de que são exemplo o jasmim-da-baía, o jasmim-da espanha, o jasmim-da-itália, o jasmim-de-veneza, o jasmim-do-paraguai e, pasme-se, até o jasmim-das arábias. Pelo meio, há um jasmim-pipoca ( tragável nas salas de cinema?) e um jasmim-porcelana. Mas o foco da atenção recai, sem dúvida, sobre o jasmim-dos-poetas. Imagino-me debruçado no jardim, começando em bem-me-quer e desfolhando as cinco pétalas. Contem-nas e concluam: ela bem-me-quer... Abençoado jasmim que nos dá uma alegria nas palavras, mesmo quando a vida, sem querermos, nos tropeça.

quarta-feira, março 30

ANAPTIXES

Gosto do falar dela, é toda entoações, sorrisos e arrebiques. Ontem espetou-nos, de som em riste, um longo keeeelaro…. Queria ela dizer: “Claro!”. As palavras são assim, têm significados mas também significantes. Na boca de algumas beldades, até as anaptixes transportam significados. O que significaria aquele som “e” repetido no seio das consoantes? E fiquei a pensar.

terça-feira, março 29

PRÒ LIXO? NÃO! PROLIXO!

E ele escreveu, no seu estilo altaneiro: “ O primeiro-ministro foi muito pró lixo nas suas explicações”. Quer dizer, lido assim, com aquele acento agudo, com a preposição reduzida e subserviente relativamente ao lixo, até se compreendia. Eventualmente, as suas explicações aproximavam-se do “lixo”, exatamente como as notações do país nas asas das agências de rating. Mas não. Nem aquele acento seria assim, pois seria grave, nem ele existe na palavra, simplesmente porque a palavra é prolixo. E aí sim, o tal ministro foi prolixo, excessivo nas palavras, cansativo, enfadonho. Nada de admirar… O que admira, neste país inexistente, é que tenhamos audição. E que ouçamos. Mesmo quando do outro lado não sai nadinha que se preze.

segunda-feira, março 28

DESLUMBRANTE

Há coisas assim, deslumbrantes, encantadoras, fascinantes, ou simplesmente maravilhosas. Adjetivos que usamos sem pudor, como se as coisas ou as pessoas assim o fossem quando pomos os olhos nelas. O problema é que, quase sempre, o excesso de luz ou de brilho ofusca o nosso olhar, embacia-o, deturpa a forma como vemos a realidade. De onde resulta que o que deslumbra obrigatoriamente engana. Quando conduzo, em noites de forte chuva, fico deslumbrado com os máximos na outra margem. Às vezes, sinto náuseas. Outras vezes, uns copos a mais causam algum deslumbramento, imagens a dobrar, círculos quase quadrados, palavras em trovoada. Portanto, caros leitores, cuidado com as loiras. Se elas deslumbram, a culpa é da cor do cabelo, que provoca umas visões ondulatórias difíceis de explicar.

sexta-feira, março 25

SAUDADE

Os olhos
Longe
cegos

A palavra
Geme
Aqui

Amor

José Silva, 25.03.2010

quarta-feira, março 23

RASCA, RASCA E RASCA

Houve um tempo em que alguns portugueses pescavam numa rasca, barquito de pesca que, sob perigos diversos, se atrevia nas enseadas. Eventualmente, pela mesma altura, alguns pescadores colhiam a mariscada, incluindo as suculentas ostras, com uma aparelho (também uma rede) denominado, imagine-se, rasca. Quer dizer, eles iam numa rasca, usavam uma rasca, só falta dizer que, numa faina daquelas, dificilmente iriam rascas, isto é, bêbados. Já se imagina: bêbados não pescariam grande coisa, e nem se pensa em ostras, quanto mais em sereias... É verdade. Como se vê, são já três os significados desta tão simples e atual palavra, a que falta adir uns biscoititos feitos de fatias de pão, as rascas que os pescadores, na sua somítica jornada, lá engoliam para entreter a fome. E vão portanto quatro. Se a faina não sorrisse mal, isto é, se as delicadas ostras e quejandos saltassem para as rascas, a rasca de cada pescador (o quinhão) não seria despicienda, e daria para muitas rascas (biscoitos e bebedeiras) às escondidas da mulher. E somam cinco. E falta a grande enrascada. Porque por artes semânticas nada fáceis de explicar, surgiu de repente uma geração chamada rasca (presume-se que reles, ou muito ordinária), denominação que abomino, porque de rasca a minha jovem gente não tem nada e nela vejo qualidades que nunca dantes vi, apenas completamente desaproveitadas. E se olho e vejo a minha jovem gente bem formada e prontinha a substituir-me, que bem preciso que os anos pesam, caem-me em pranto os desejos quando os vejo, como dizem, muito à rasca. E é o sexto, o significado final, a síntese (semântica?) de uma palavra que anda por aí às cambalhotas. Traduzindo: um pescador rasca (bêbado) comia na rasca (barco) uma rasca (biscoito) enquanto usava uma rasca (rede) para apanhar ostras. Não sei se é uma pessoa rasca (reles), mas sei que, quentinho da silva, não estava nada à rasca (aflito). À rasca, aflitinha de sousa, anda a minha jovem gente. 

Um dia desenrasca-se, não se preocupem. Nem que seja à cabeçada.

terça-feira, março 22

Lembrar é fácil para quem tem memória.

Esquecer é difícil para quem tem coração...

W. Shakespeare

quarta-feira, março 16

VÓS, VOCÊS E O CHEIRO A BAFIO

Trabalhar com estrangeiros, conhecer as suas línguas, permite ao professor de Português como Língua Estrangeira aperceber-se de fenómenos que, sem este contexto, dificilmente fariam parte das suas cogitações. O estudo comparativo das línguas permite descobrir o que as línguas têm de lógico ou ilógico, e, no limite, conduz-nos a viagens na longa diacronia.

No que respeita aos pronomes pessoais com função sintática de sujeito, o português europeu atualiza o seguinte paradigma ( que compara com o paradigma espanhol, francês e inglês):

eu, yo, je, I
tu, tú, tu, you
ele/ela/você, ello/ella/usted, il/elle, he/she/it
nós, nosotros/as, nous, we
vós, vosotros/as, vous, you
eles/elas/vocês, ellos/ellas/ustedes, ils/elles, they

Como se pode ver, o inglês possui o neutro it que não existe nas outras três línguas e reduz a 3ª pessoa do plural à forma they. De resto, é equivalente às outras línguas, com exceção de você/usted. Os paradigmas são logicamente “iguais”: todas têm a 2ª pessoa do singular; todas têm a 2ª pessoa do plural. O plural de tu é vós; o plural de é vosotros/as; o plural de tu é vous; o plural de you é you. Ganham os ingleses, que não complicam as coisas. E os franceses também.

Em determinadas regiões de Espanha ( cujas línguas regionais se diferenciam por vezes do castelhano), há não poucas vezes confusões do tipo de ¿Ustedes vais al cine? Tais confusões acontecem e não perturbam a compreensão das mensagens.

Em português europeu, discute-se acaloradamente o uso de vós e de vocês. Como, de permeio, temos fórmulas como o senhor, o senhor doutor, o senhor doutor professor e outras quejandas enormidades relativas ao tratamento interpessoal, já vemos a confusão que por aí grassa, e a inquietude dos estudantes estrangeiros no momento da aprendizagem. Se o azarado estudante escolhe Lisboa, juram-lhe a pés juntos que o pronome vós ou não existe ou cheira a bafio. Dão-lhe, até, gramáticas pretensamente pedagógicas sem o dito cujo, como se o vós do paradigma pessoal tivesse peçonha ou cheirasse a chulé. Se escolhe o norte, ouve nos cantos da invicta ou no frondoso Bom-Jesus um Estai quietos, meninos!, ou Quereis um geladinho?

Não sei porquê, mas admiro o utente do vós, o conhecedor do fizerdes, o dominador da gramática. Você cheira-me a ligeira deferência, a solução simples para a dificuldade da gramática. Por isso digo quase sempre vós: eu trato-vos por tu, não é verdade, meninos? Quanto ao vocês, talvez vos diga isso quando tiverdes mais idade. Pensando no bafio, prefiro-o ao ar "puro" do bué.

Da Metakritica

quarta-feira, março 9

A PONTUAÇÃO
Há dias, um aluno mais esperto afirmou-o sem receios: o mito da importância da pontuação é quebrado quando lemos autores como Almeida Faria ou José Saramago, nos seus textos sinuosamente ambíguos. Pontuar, dizia-me ele, é um exercício insípido e desnecessário. Eu sorri, claro. Na altura apenas lhe perguntei se achava desnecessários os sinais de trânsito das cidades. Expliquei-lhe que podíamos conduzir perfeitamente sem qualquer sinalização, mas também lhe sugeri o caos. A verdade é que a vírgula ou o pontinho, as reticências ou o sinal de interrogação são signos convencionais, como convencional é o triângulo vermelho na berma da estrada. Quando o vemos, geralmente paramos. Se não paramos, o problema é nosso.
Todos sabemos que entre a fala e a escrita há um mundo significante de permeio. Quando falamos ( e até quando não falamos!) transmitimos mensagens, sentidos, e fazêmo-lo com todos os recursos de que dispomos, desde os gestos aos olhares malandros, passando pelas múltiplas entoações, pelos ritmos, tudo acompanhado por risos ou por lágrimas, com pausas ou sem pausas. Quando falamos dizemos tanto sem falar, usamos o anacoluto, o salto ou a retoma do pensamento, e fazêmo-lo sem nada problematizar. Até os analfabetos falam, e alguns são mesmo doutores a falar, porque nasceram com a língua e não precisam de conhecer convenções para falar bem. Em geral, todos os portugueses falam bem a sua língua, isto é, todos se fazem compreender de acordo com as suas necessidades. É evidente que alguns portugueses precisam de falar muito bem a nossa língua, mas esses têm de reflectir sobre ela, mesmo sobre os aspectos fundamentais da oralidade, sobre o valor da retórica.
O problema surge quando queremos escrever. Como representar na escrita toda a complexidade da fala, as emoções, os contextos, as entoações, as pausas, essas coisas todas que potenciam a intercomunicação? É evidente que nenhuma convenção relativa a sinais de pontuação dará nunca totalmente conta desta complexidade. Mas pode, evidentemente, ajudar à condução das palavras nas frases ou nos textos. O grande dilema consiste em distinguir o que é característico do estilo de um autor daquilo que é a logicidade da própria língua. Quer dizer, a pontuação pode desempenhar ora uma função lógica, ora uma função estilística, e, por vezes, estas duas funções entram em conflito. Se um poeta quer transmitir toda a emoção que lhe assalta o simbólico coração e repete, com acrescentamento de reticências, o célebre sinal de exclamação, na frase Oh meu amor, és a rosa mais cheirosa do meu jardim!!!..., fá-lo porque quer, e ninguém tem nada com isso. Mas o factor lógico é realmente muito importante, e não faria sentido separar por uma vírgula o verbo e o complemento directo na frase A Maria vendeu os seus brincos à Ritinha. Com efeito, se pensarmos um pouco, há verbos cujo quadro de subcategorização, ou de selecção, se preenche obrigatoriamente, isto é, ninguém imagina a Maria a vender, se não vender alguma coisa, a alguém, por X dinheiro. Se quem vende, vende alguma coisa, por que razão hei-de separar o verbo do objecto directo por uma vírgula? Quer dizer, o nosso conhecimento da estrutura léxica, da estrutura sintáctica e, até, dos vários enquadramentos semânticos é visivelmente fundamental para pontuar logicamente bem.
Por isso sorri ao meu aluno e lhe disse que, mais do que conhecer de cor o valor da vírgula ou do pontinho, devia aprofundar o estudo do léxico, da morfologia e da sintaxe do português. E ler os bons autores, os que põem vírgula e os que se riem dela. Ler, acreditem, é a grande solução.
 
Da minha Metakritica, Junho 2006

segunda-feira, março 7

ERRAR É HUMANO

Os meus heróis são aqueles que sobreviveram ao fazer algo errado, que cometeram erros, mas que conseguiram ultrapassá-los e corrigi-los.

Bono

Sou um homem e errei. Não há nada de surpreendente.

Menandro

Errar é humano; perdoar, divino.

Alexander Pope