quarta-feira, dezembro 31

EL PALACIO DE LA MEDIA NOCHE

Estou a ler esta primeira parte, que se assemelha a um prólogo. Vejamos: “antes de proseguir con mi narración y entrar a detallar los acontecimientos realmente significativos de este relato, que tuvieron lugar dieciséis años más tarde, debo detenerme brevemente para presentar a algunos de sus protagonistas”. Gosto da técnica narrativa, sinto-me atraído pela acção inicial, por Calcutá, vou lê-lo até ao fim.
LAS LUCES DE SEPTIEMBRE

Em nota inicial, o autor dá-se conta de que a novela “tiene más elementos de construcción cinematográficos que literários”, e que está concebida como uma história de mistério e aventura.

Começo a leitura: uma carta a Irene. Depois, o pequeno Dorian “empezó a sospechar que la mitad de la población de París la componían abogados y contables, una clase de ratas que habitaban en la superfície”. Sem a continuação, parece a queda de uma família de Montparnasse. Em estilo cinematográfico. Não vou continuar a ler, talvez um dia.
EL JUEGO DEL ANGEL

Sempre que possível, gosto de ler os escritores estrangeiros na língua original. Desta feita, e porque é possível, leio em espanhol, língua acessível a qualquer português minimamente formado. Não tinha lido nada de Carlos Ruiz Zafrón. Aliás, começo agora a lê-lo, e à minha maneira: leio o primeiro capítulo e invisto no critério do gosto. Se gosto, leio de rajada até ao fim. Se não gosto, adeus até nunca mais.

Começo com El juego del Angel. Ao fim de uns minutos leio que “Don Basílio era un hombre de aspecto feroz y bigotes frondosos que no se andaba con ñoñerías y suscribía la teoría de que un uso liberal de adverbios y la adjetivación excesiva eran cosa de pervertidos y gentes con deficiencias vitamínicas”. Advérbios, adjectivos, perversão, gosto do estilo. Vou continuar. E mais quando relevo a militância do candidato a escritor:

—No se embale, pollo. A ver, ¿qué piensa usted deluso generoso e indiscriminado de adverbios y adjetivos?
—Que es una vergüenza y debería estar tipificado en el código penal —respondí con la convicción del converso militante.

Como diria Pedro Vidal, esto sólo es el principio, en diez años yo seré el aprendiz y tú el maestro.

Para continuar.

terça-feira, dezembro 30

PROFECIAS

Disse um dia François de la Rochefoucauld mais ou menos assim: só é sensato quem é da minha opinião. Porque isto de ver bom-senso em quem nos afronta não é fácil… Ou por outra: exige de nós uma mão-cheia de áurea sabedoria. Há dias em que nos apetece ser sensatos, acordamos assim, dizemos a nós próprios “ hoje eu vou perdoar, vou ser bom menino” e pronto, passamos um dia porreiro, a descascar castanhas e a regá-las com vinho. Mas há outros em que, oh valha-me Deus, mais valia termo-nos colado ao colchão. Acordamos chatos, insuportáveis, e fazemos coisas do arco-da-velha.

Nestes últimos dias, deu-me para ler profecias. Não sei porquê, os novos profetas são todos da área financeira. Estamos no fim do mundo, é a bancarrota, vem aí uma guerra mundial, o Sócrates vai pedinchar no Sodré… É um ver-se-te-avias de avisos: eu avisei-te, eu sou Deus, avisei-te, para que compraste essa porcaria, não vês que a bolsa ainda vai cair mais… Estes são os profetas da desgraça, os corvos do pedestal, enfim, os sensatos.

2008 foi um ano muito mau. Mas não porque o ano seja mau, coitado, o ano não tem culpa nenhuma. A culpa, afinal, é dos outros sensatos, daqueles que, sabendo, fingiam que não sabiam. E o ano foi mau, muito mau.

Os corvos dizem que 2009 vai ser pior, muito pior, espirram. São corvos, são negros, miram de cima, do epicentro da tempestade. Espreitam. E aguardam a morte da presa.

O homem de bom-senso sabe que todas as tempestades têm o seu fim. O homem de bom senso sabe que, depois da noite escura vem o dia radiante. E aguarda, confiante, porque tem esperança e acredita.

Eu pressinto que 2009 vai ser um ano muito difícil, mas acredito que o sol ainda nele vai brilhar. Eu creio. E, ao contrário de la Rochefoucauld, dou de bandeja aos corvos os grãos da minha sensatez.

Um Feliz Ano de 2009 para todos.

domingo, dezembro 28

O canário

O meu pai criava canários. Cruzava-os, amarelo com laranja, laranja com vermelho, o resultado era surpreendente. Mais surpreendente ainda era o resultado vocal. Fascina-me o trinado glorioso desta ave bela, que me reenvia aos leves dias da infância. Um dia tive um canário, dava-lhe painço e ovos cozidos, até que um dia tive de sair. Descobri então que um canário é como um filho, que é preciso alimentá-lo, acarinhá-lo. Mas tinha de sair. Bem pedi à vizinha que tratasse dele durante uns dias, mas ela, com uma ternura nada canora, disse-me que não. Portanto, dei-o. Durante seis meses chorei o raio do canário. Que saudades do seu cantar!... Jurei que animais nunca mais. E é verdade, até rima.
O Baião e a dançarina

São seis da tarde, ouvem-se melodias de Natal. O Baião dança com a mãe: finalmente algo interessante. Ele ri-se. Aqui ao lado, sentado num capuchino, enlevo-me em duas palavras e em três toques de telefone. Aquele cromo da TV tem dois cornos de veado, quer ser diferente e é-o à sua maneira. O que vou comer à noite? Haverá roupa velha pelo frigorífico? Aqui ao lado há quem esfregue os dedos de contente, não sei bem porquê – ou talvez saiba. Ai que linda a moça da TV, com sotaque italiano. Quem me dera falar assim, como ela, mas em português. O raio da nossa língua é dura que se farta, tem um som demasiado metálico, razão tem o gerúndio brasileiro, com ar de samba e de ancas a abanar. Meu Deus, as ancas brasileiras são de mais!.. Que vou comer à noite?

quinta-feira, dezembro 25

ARRANHAR

Ontem o P. arranhou-se na árvore de Natal. Não é suposto, mas acontece, principalmente se debaixo tilintam luzes ou ecoam belos presentes. Arranhou-se, pois, ou aranhou-se. Porque no Natal até as aranhas têm direito à ribalta.

Aqui ao lado, nas frígidas escarpas castelhanas, o verbo não arranha, mas araña. E araña porque faz como a araña. Por cá, porque a garganta arranha que se farta quando duplica por exemplo o rr, lá se fortaleceu o verbo. E de arañar temos arranhar. Quem arranha faz como a aranha, assim como que esgravatando, fazendo uns movimentos, uns rabiscos, uns tracitos que às vezes ferem, mas que, outras vezes, sabem muito bem, principalmente quando piscamos os olhos aos embrulhos de Natal.

sexta-feira, dezembro 5

A “INDISCIPLINA” E O BOM-SENSO.

Há um ditado popular que diz: pai impertinente, filho desobediente. Quem tem filhos, quem educa no dia-a-dia, sabe muito bem que, com os filhos, melhor é a palavra do que a bofetada. Aliás, a ideia da bofetada, tão em voga em tempos ditatoriais, já nem pega. Hoje educa-se com exemplos, com persuasão, com bom-senso, e, essencialmente, com muito amor e carinho. Pelo menos, assim é que deve ser. Tenho três filhos que respeito e me respeitam e nunca lhes toquei com um dedo.
Na escola, tenho para mim que um bom professor nunca precisará de castigar um aluno se for realmente um bom professor. Mesmo em contexto de conflito, um bom professor saberá, com sabedoria e bom-senso, dirimi-lo de forma positiva, aproveitando-o para educar. Penalizar um aluno mostrando-lhe o “cartão” amarelo da rua ou o “vermelho” da suspensão não costuma ser eficiente solução.
Li hoje num jornal bracarense, na página relativa ao desporto e a propósito de castigos associativos, que “os jovens são os mais indisciplinados”. No que respeita ao futebol – acompanho jogos de juvenis com assiduidade -, tal afirmação não é verdadeira. Os jovens são puros na forma como jogam e como reagem e a comparação implícita é injusta.
Já o disse noutro texto: o grande problema da formação, do futebol juvenil, é o défice de qualificação técnica e humana da maioria dos árbitros. Em múltiplas situações, os árbitros agem sem bom-senso, punindo onde deverão usar de boa pedagogia. É muito fácil puxar de um amarelo, ou de um vermelho, e exibi-lo ufanamente. Mais difícil é explicar ao jovem o porquê das decisões de forma calma e ponderada. No último sábado assisti a um jogo de juvenis. Jogo muito bem disputado, com disciplina absoluta. Em determinado momento, o árbitro assinalou uma falta, daquelas banais, que acontecem várias vezes durante todos os jogos. De forma abrupta e sobranceira, tirou o cartão amarelo do bolso e mostrou-o a um jogador, jovem de comportamento exemplar. Candidamente ( eu estava muito perto e ouvi), o jovem perguntou ao árbitro: “O que é que eu fiz?”. Imediatamente o árbitro, num gesto inadmissível e prepotente, mostrou-lhe o cartão vermelho. O capitão de equipa, também de forma educada, dirigiu-se ao árbitro e perguntou-lhe porquê. E o árbitro, de forma absolutamente inaceitável, mostrou novamente o cartão vermelho. Quer dizer, no espaço de um minuto, um jogo brilhante foi transformado numa luta desigual e injusta por exclusiva culpa de um árbitro incompetente.
Se um pai impertinente faz um filho desobediente, que dizer de um árbitro que assim age? Poderemos dizer que a missão de arbitrar é difícil. E é verdade! Em língua, o melhor critério de correcção é o do uso, único válido em todas as circunstâncias, como dizem os melhores gramáticos. No futebol juvenil, com jovens em formação, o melhor critério, além de todas as regras, é o do bom-senso. Que todos sejamos sensatos: em casa, na escola, no campo de futebol. E se somos educadores, que mais sensatos sejamos!